quarta-feira, 6 de dezembro de 2017


Cantei ao ver o sol se pondo detrás de milênios -
O mesmo que ainda vejo nascer.

Fui mordido pela fera no pescoço -
Na minha carne ainda as presas.

Trouxe minha avó ao mundo -
Testemunharei sua despedida.

Comi manjares dos deuses -
Ainda busco o sabor.

Eu já passei fome -
E a fome ficou.

Já fui mulher -
A mulher mora em mim.

Brandi espada untada em sangue -
As feridas ainda aqui.

Tive filhos que nem sei -
No entanto, ainda eu.

Sucumbi diante de podres doenças -
E ainda ranjo os dentes.

Já nasci, já morri -
Eis em mim tanto mistério.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Cigano


Que lua linda lá no olho do cigano!

Se não me engano, era quase lua cheia.
Uma adaga vai segura entre os dentes.
Batendo palmas, 
Com as mãos ficando quentes.

Do seu mistério surgem névoas sobre a lua.
Canta nas matas em silêncio o cigano.
O seu caminho todo está em suas cartas,
Lidas nas linhas que as mãos foram tramando.


Ao morrer de meu corpo -
Corpo da terra, bem do divino -,
O vestirão para a despedida já cumprida.
Me calçarão bons sapatos para os pés terem lembrança de que por aqui andaram. 
Cruzarão minhas antigas mãos postas sobre um peito parado,
Deitarão meus restos rígidos
Em um cômodo apertado,
De fina camada de falsa seda e conforto,
Para que tenham a impressão de que eu vou bem.
Ali cerrarão os ouvidos e narinas com cera e cola
Para que o corpo não se extravase por estar livre,
À vontade e contraído.
Me maquiarão remetendo à estreia,
Como se fosse estrela.
Mas como fosse estrume
Me cobrirão de flores perfumadas e também mortas,
Ceifadas no campo como ali a minha imagem
- olores disfarçando olores,
As cores disfarçando as dores.
Quando cansarem os que beijam a testa fria da casca,
Tamparão a insólita nave-lixo.
Alguém próximo em discurso prolixo,
Outros rindo-chorando-lembrando mas sós,
Derretendo velas velando,
Cultuando como ritual museu o resultado de minha obra,
Encapsulando o invólucro, reverso à borboleta,
Dando o presente passado oferenda de futuro,
Indo rumo ao espaço das terras longínquas,
Abrindo os portais nos sete palmos depois daqui, na magia,
Abrindo os olhos que estavam quietos.
Calmamente.
Me comerá com amor a natureza agindo
Fruindo cada memória que escondi nas células,
Bebendo cada existência contida na gota de sangue em ferrugem.
Recriando o universo, serei Big-Bang de moléculas ultravivas,
explodindo, espargindo, regendo, compondo, 

divinizando bem mais de dez mil mundos.

Arco



Entre chuva e sol
Ascendem cores
Prismático sinuoso
Tobogã de fadas
A busca do ouro no pote
É o próprio olhar do arco na íris 
A reunião das chamas difusas
Os mistérios das sete energias 
Um grito ancestral de cobra 
Trazendo à terra a força 
Elevando ao céu o que se desdobra

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Mirávamos




Mirávamos no mesmo lugar,
desde sempre,
mesmos olhos pregados em luas,
mesmas bocas provando das frutas.
O transe de varrer madrugadas, 
companhia de avantesmas.
Verão na noite encantada
epifanias do paraíso em terra.
Era essa a morada dos deuses,
nossos desenhos,
nossas cantigas,
incensos queimando
na pele do ar
esboços do infinito.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Passagem


Navegar não é ir de um ponto ao outro
A deslizar sobre águas.
A jornada implica borrascas,
O mar é um tanto implicante.
Caudas de baleias, 
Onda em rebuliço,
Tonteio da mente que se perde de terra.
Toda bússola tem uma agulha que costura a rota
E todo mar é como um deserto íntimo.
Se cracas se agarram, retira-as com furor e constância,
Pois buscam bons passeios e enraízam sugando.
Segue limpo e de casco livre,
Ganha o oceano e parte de tudo 
Roçando nas águas o frio gélido da passagem.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Koitxagnaré



Koitxagnaré! 
- gritou comigo 
Meu próprio eu comendo o umbigo.

Parto o pão o pai o filho 
a mãe a pomba a sombra a santa ,
Faço a festa de refestelança
- Cada órgão tocado dança 
- A música me é gutural. 

Frita queima corta e mata 
Essa fome de viver de luz. 
Sangue bomba estanca tinge 
Finge eterno, o ferro enferruja. 
Suja a pele alva de cordeiro, 
Salva o alvo do próprio coração. 
Saliva com a flecha apontada para a presa, 
Solta e caça o animal na própria pressa da mesa: 
Talheres e pratos copos guardanapos 
- Banquete servido. 

Ser vivido, urrar a dor de nascer-morrer o tempo. 
Venho, sirvo vinho, 
O pão de todo o meu caminho. 
Fermento abunda, 
Cresce-doura-assa. 
Caço a caça. 
Partilho o pã e me sirvo me comendo todo e
Levo tudo, até os cornos, às bocas dos fornos. 
Tempero sem desespero meus dentes fincando quentes 
a carne que geme nascendo nova mente. 

Degluto e irrompo a força 
De comer o próprio divino. 
Arroto o gozo etéreo, 
Enterro no cemitério 
Meu eu passado estéril. 
Digiro e dirijo as fezes 
Fazendo dos meus gases mestres 
O início de um plano terrestre 
Um mundo me nasce celeste de novo. 

Quebrei a minha casca do ovo.

alumie

A alquimia da transmutação indica:
Não se agarre à ilusão,
Ciencie silencie ciente crente crie.
Não medalha de ouro,
Alma dourada.
Alumie.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Reflexos


Em cada espelho olho a mim e um outro
Tudo o que vejo é o reflexo de mim - sou o todo.
Na minha frente, vejo um velho amigo.
Em que rugas passaram os rios de tua emoção?
Como serão os olhos de quem já viu tanta água a passar?
Eis diante de mim um viajante do tempo, 
em um barco que não envelhece nunca!
Meu velho amigo traz em sua bagagem 
o curso da História nas linhas de uma mão
Ponteiros que marcam esse silêncio 
meditam no relógio da vida.
Esse que me olha é um presente vivo.
Sou eu mesmo que ali estou, diante de mim?
Reflito no reflexo o velho que em mim engendro
O que sou hoje me fará o que serei amanhã? 
Como trato o meu passado diante de mim?
Serei meu futuro pleno se dou as mãos aos que trazem o tempo consigo...

Aboli o tempo para poder ser um outro dentro de mim.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Besta Fera Adormecida



Cutuca a fera
Que ela te escavuca,
Traz a garra ao corpo,
Atravessa inconsequente.
É fera que corta e fere
E bebe louca o sangue quente.
Na hora tudo será dormente
E talvez virá o prazer de se entregar...
Toda morte é potente
Da vida em seu limiar. 
Mas depois fraco e exangue,
Com o bicho delirante,
Mais forte que sua presa,
Virá a fera ofegante
Servir-se do banquete em sua mesa...

Morrerá todo seu viço -
É melhor não cutucar.
Por enquanto dorme quieta,
E é melhor eu avisar...
Besta fera adormecida,
Tem quem queira te acordar.

Esses bichos submersos
São muito mais perversos
Do que se pode pensar.
Quando fundo na caverna,
Lá nas falésias do mar,
É sensato pisar fino 
Para não incomodar.
É melhor rumar pra longe, 
Deixar o bicho sonhar.
Não entrar em sonho alheio
Que o sonho é o único recreio
Do monstro que vai despertar.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Feitiço

Cospe teus sonhos,
Não precisas de mais nada.
Abre tuas pernas pro delírio
E dedica-te a morrer consciente.
Cobre teus olhos com terra
Pra que eles se acostumem ao frio
E frui todo o poente para a madrugada raiar feitiços.
Espera o feto de teu destino
E segue criando pernas,
Enfeitiçando-te para cumprir tua espera.
Que navios pegarás no meio do mar?
Morre a cada âncora lançada
E cria asas para que saibas escapar da morte.
Assim vais jogando o jogo,
Cantando teus angelus,
Quebrando vidraças,
Mudando tuas máscaras,
Morando nas ruas.
Faze de cada esquina um álbum de recordações e depois queima
Com a chama da vida eterna.
Cospe em teu passado morto,
Que é um prato que te comeu vivo.
Usa palavras de ordem,
Fala em segunda pessoa,
Sede poeta a cada ritmo que em ti baila
E idolatra teu segundo único,
Sabendo ininterrupta adoração.
Deixa o silêncio às minhocas de tua morte -
Por enquanto faz barulho.
Exalta com cores pra que se destaque
Da cinza polifonia que ameaça o planeta.
O novo que irrompe o golpe do tempo
Requer tanta coragem
que nem sabes se a tens ao certo:
Mas vais no que pode,
canta,
explode,
corrói.
E ama.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Livro



O conhecimento não está nos livros -
os livros que estão no conhecimento.

Cada segundo que vivo me livro de ignorância
e sigo conhecendo o novo.
Mas são infinitos livros que temos que abrir a cada instante...

A cada estante livros que não damos conta.
Registros akáshicos, 
letras miúdas de manuais de vida,
tantos breves momentos
movendo-se lentamente em eras,
na profusão da prescrita mágica já corroída.
Na mente, traças traçando o percurso de escritas,
buracos na ideia da experiência vivida.

E cada livro que leio se apaga,
enquanto outros se escrevem dia-a-dia.
A cada passo conheço o que antes não via,
na via da contramão do que antes me lia.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Asas



Nem toda lua se foi feita pra sonhar -
A liberdade não é se voar assim.
Pois muita coisa se traveste de emoção
E de ilusão já muitas asas se fizeram. 
Veremos Ícaro eternamente se tentar 
Em todos nós ele buscando um sol distante - 
Enquanto dentro há estrela mais brilhante 
E essa lua que mentiu todo o instante...

É um espelho: tem cautela com o reflexo.
Pode se ver tão nu e nítido em excesso
Que é melhor bater no sol, queimar em brasa, 
Quedando duro nos rochedos de uma praia. 
Espelho e imagem, sombra e luz, tudo é um giro... 
O que te instiga a pensar que é liberdade? 
Tonteia aquele que na noite constrói asas, 
Se debatendo sem romper tetos de casas. 
Sempre há lembrança, carta, música e suspiro 
Pois de detalhes é que fazem vidros frios. 
Desfaz-se em cacos na boba mão que se afrouxa 
Se corta toda nos lembrando que há sangue. 

É meia noite meio dia, não importa. 
Bati a porta da esperança que não vinha. 
Dei meus soluços por saber-me escangalhado 
E você fez carinho em monstros de pelúcia. 
Roguei ao céu já me firmando em farto inferno,
Em ferro quente aquela brasa marcou tempo,
Bati de frente com os lobos que não uivam, 
Bebi do poço uma água verminosa. 

Ai que quedaram todos sonhos de mentira! 
Como reboco caem astros, fantasias. 
Um pesadelo mandou carta e desalento 
Porque um dia teu poema num momento 
Sonhou a cera derretida de suas asas. 

clima

Às vezes neve em dias de sol, sem esquis e teleféricos sobre o branco. Frio que impede a saída da caverna, gelo que derrete misturado em lama. Cama de doente, carma de rebelde. Outras vezes sol incandescente no frio chuvoso das vias, com praias pegando fogo na areia virando vidro. Quente que ajuda a deixar a casa no passado e seguir nômade pelas ondas de um mar que aquiete. Chama de poente, darma de solstício.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Húmus


És pó de terra e pó de estrela.
De onde vieste, as tuas veias
Hão de parar de pulsar o sangue que veio em rio
E secar por seres pó.
És terra e em essência, humilde.
Teu húmus por vezes tão seco,
Noutras, umidificou-te a brotar verde vida ou em cores.
Mas não te atenhas a tal poeira,
Ao regresso das partículas seccionadas.
Lembra-te que és luz do corpo,
Luz de estrela, luz de astro,
Luz divina.
Essa luz que realiza vida,
Aquece o solo,
Zela a terra em misto pó
No místico-natural processo,
Movimenta no ímpeto desse ir constante. 
A luz pulsante que toma a matéria,
Movimenta as esferas
E realiza o grande plano de ser em união.


quinta-feira, 11 de maio de 2017

sentido

O homem que estava muito apertado porque precisava urgentemente fazer sentido.

Despedida




Pus meus óculos pra meditar
E vi a baleia pegando impulso
Pra mergulhar no ar
E me despedir do que não mais me apraz
Acenando lá na frente dez mil anos atrás.
Pus minha roupa pra morrer bonito
E eram só andrajos do meu ego mendigo.
Me digo o que tenho que ouvir
Para ecoar no que não tem ouvido
Parafraseando o nosso infinito.

Pipa


As coisas vão mudar
Como mudou-se tudo
Até aqui.
E bem depois de lá 
A gente vai soltar 
O fio que conduz o rolo,
A pipa que se grita tonta,
A seda que se rasga em risos,
O vento que levou a mim,
Meu corpo de papel e ripa,
Frangalhos de uma rabiola,
Varetas como cruz entregue,
Solapos de cerol em guerra,
Aéreo esquecer que toma 
Losango atado no nada,
A linha que escreve em dança
No ar os versos do fim.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

DEUS

imagem de Alex Grey


_____________________________________


Se o Homem criou Deus à sua semelhança,
O problema está na forma, no nome, na ideia de homem.
Deus não se compreende, mas se tateia.
Se Deus se chamasse A Grande Teia,
Se nos desse um mapa para se chegar,
Ainda seria o Deus da Mente Humana.
Deus escapa do que próprio criou.
Nem Deus criou, porque não sabemos se tudo sempre já foi criado.
E quem cria somos nós, habitantes dessa Terra.
E por semelhante processo,
Colocamos Deus na imagem esculpindo no barro.
Deus não é Ele, nem Ela, nem Tu, oh, Grande Espírito.
Deus não é espírito, nem rito.
Deus nem é Deus. 
Nem vocês e nem eus.
Deus é mais, mais ou menos.
Deus é o alcance do homem,
Do que ele não pode alcançar.
Porque Deus é uma ideia,
Que não usa barba, te olha ou ouve o que você diz.
Olho e ouvido são a matéria querendo entender tudo.
Deus (porque aceito a palavra, mas não o limite idealizado)
Capta a frequência de cada pulsão nossa
E toda palavra ainda diz Deus como o que posso pegar.


Talvez more na paz, no amor absoluto...
Não só! Ideia do homem!
Deus mora no caos, nos maus, na morte, no tiro, no sangue, no corte,
E mora na flor, no riso, no bebê que baba o leite morno.
Deus é o todo, porque não há lodo sem lótus a espetar a superfície em breve. 
Deus está na sua certeza e na sua confusão,
Está mesmo em cada véu que cobre seu próprio desvelar em luz.
Deus está no inferno e no paraíso diário.
Não-Só existe bem e mau, tudo faz parte,
Arte de processo de depuração para a alquimia dos Tempos.
Tudo é ciclo, reciclo, eclodindo, indo, voltando.
E mentais, seremos homens amando a ideia de Deus
E a sua presença incodificável de tudo ser.
Um dianoite explodimos tudo,
Com as bênçãos de Deus
Para beber do vinho puro e sagrado 
De nosso resultado alquímico terreno.
E inebriados do sacro éter,
Havemos de Ser Toda Matéria sumindo do Espaço
Entre nós, fios, e Deus.
.
.
.
AMADEUS
MARCELO ASTH

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Colunatas



Soluço meu desencanto
desacelerando a máquina viciada dos dias
e recobro o viço perante às esperas.
As colunatas estão em riste
apontando um céu promissor de estrelas ainda desconfiguradas.
Não é ruína a construção que se balança –
Pois que foi só um vento forte com vozes de um avantesma
desenterrando as raízes de um dia.
Igrejas pegaram fogo nessa noite insensata,
os lobos uivaram socorro, mas ali ninguém mais via.



Quando a sagrada imagem calada despencou do altar
a alertar que gesso e forma também se assemelham à farinha,
Nossa Senhora não se chorou.
(Quatro é a matéria; três o indizível;
dois é complemento; um é o segredo)
E o mesmo vento que veio de castigo atiçando o fogo das velas,
profundo sopra os cacos e palhas e cinzas que já se perdem na planície vasta.
Agora durmo, secretamente sorrindo essa glória.

As flores mortas deste altar já foram eu nessas campinas,
mas tudo morre - isso é ilusão.
O que perece recebe o inédito formato.
Depois de tanto sangue, vazio me encho de espírito,
distante de tudo a lembrar das charnecas ensolaradas,
outra estação.
O sonho me diz seus braços afundados no pântano,
mirando passados que não se ativeram ao seu controle.
Sorrio. Nada mais posso.

Subi aos céus depois de temer infernos frios
escorregando as pernas com a lama que ainda me gruda
por eu querer me resgatar.
Abriga no caminho da ascendente colunata o meu aceno louco ao Todo
E premedito a esperança do topo assoviando como menino.
Bebo meu medo no cálice de minha concha
E durmo mais dez mil anos pensando em mim.
"Coragem" - soçobram do olvido...
Em mim tudo é Verbo -
então, penso em Deus.
Aceito a mão se me busca, careço o zelo,
E é sempre estranho o brilho da primavera depois do inverno e de tanto gelo.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Boi



Corta essa língua de trapo,
Língua de boi, 
Carne de farrapo.
Teu miolo é o boi,
O interior cortando a língua
Pra poder escutar a dança
Que dentro de si abrasa.
Se boi bumba, saudade balança,
A lua se esconde num véu de fumaça.
Pajelança.

Oi, boi, se enfeita pra cantar a morte
Pra berrar o divino
E o mal desses homens.
Espelho, paetê, fitilho,
Com mais o derradeiro brilho
Do boi que é sacrificado.

Mas o boi cheira a fumaça
E sente que a morte passa,
Que é bonito, é bonito se morrer.
E dança na roda da praça,
Calor, tambor e cachaça
Pra cantar que aqui vem renascer:

Lá vem, lá vem, já veio,
O boi lá do Cruzeiro,
Faiscando sóis do astral, 
Bumba boi, boi feiticeiro!

domingo, 2 de abril de 2017

ondas




onda no mar trabalha a energia do mundo,
cada solapo de massa de água e sal,
revolve areia e toca o estrondo de sua natureza.
tanto bicho escamoso de olho espantado,
tanto frio, tantas cores, tanto azul, muita pressão do abraço,
é o lar de minha mãe que me pegou no colo com amor.
onda do mar é minha mente vibrando
em meio a tantas ondas se debatendo em forças.
Eu sou a onda que morre-vive um só plano,
infinitas configurações e demandas pra cumprir lavando.
Somos as ondas mentais dessa Terra 
e Mãe Yemanjá é guardiã do planeta.

três palmas



Quando na vida for passear nos becos esquisitos,
Vira a esquina, mira a onda, 
sente a rua belicosa no escuro da latrina.
As lâmpadas se quebraram se roendo,
Decibéis débeis voam morcegos nas poucas árvores sombrias, 
Risadas, navalhas, caveiras se rindo...
Lá lá lároiê iê iê - a música eterna rodando vinil.
O frio que corta o osso em faca
Testa a vida e lhe mostra
Que você deu a mão ao companheiro certo.
Duvidoso, mas certo. 
Invisível. Certeiro. 
Mesmo malemole,
Envolto na fumaça, faça, faça, faz.
Bate três palmas.
Qual incursão, uma excursão ao fundo do planeta.
Foram, me levaram fundo pra rir de mim no escândalo do poente,
A vida rodou em luscofusco, 
fuscas pelando lava me atropelando em valas, 
muitas, muitas vaias: "que caias da corda bamba!" 
Os meio-fios fazem um inteiro só.
Rodar nas ruas tão tomadas de avantesmas.
Mesmas caretas, de quando o coração quebra,
Patinam no gelo os ébrios pés no caminho balanceando,
Ditando o passo que ando, que caio e levanto.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Paisagens



Teus braços de sóis
mirando os meus poentes.
Cada vez que morro
volto depois de um tempo mais quente, verão.
Paisagens de areia o vento varre,
a lua nem sabe mais pra onde ir.
Os rios, por sorte, despencam das rochas
e seguem os caminhos que o vento insistir.
Tudo que é bicho se desentoca
quando a meia noite abre a boca a sorrir.


AMADEUS

quarta-feira, 8 de março de 2017

Luz



Quando tudo apenas sorrir
E a semente despertar plena,
Uma luz de cima virá
Preenchendo toda forma de vida.
O que emana é a presença do amor
E os bons sons são os pássaros sendo
E os corações como rios rindo
E a comunhão como ordem natural.
Uma luz virá de nosso peito
Nos abrindo a carne pra vida,
Nos rompendo a barreira esculpida,
Dando luz aos seres de perfeição.
Em potência tudo jorrará,
Virão deuses morar nesse plano.
A harmonia é que reinará.
Aprendendo a ser, ser humano.

Aprendendo a ser, ser humano,
Um segundo valendo mil anos
No abrir dos seus olhos internos,
Num piscar de seus olhos mundanos.
Tanta vida a brotar no caminho,
Todo pássaro fazendo o seu ninho,
Toda flor convidando o inseto
E o brilho no teto de estrelas tinindo.
Quantas falas perdidas ao vento,
Tanto andamos em busca do amor.
Quando for chegado o momento,
Silêncio, atotô!
Entregaremos toda a dor corroída
Inimiga de nossa vida.
Seremos como manhã clara
E a força da Terra brotando o destino.
Uma luz virá do astral
Ensinando a ser, ser divino.




AMADEUS

segunda-feira, 6 de março de 2017

Gruta




Pinga estalactite,
O vidro em séculos derrete,
O continente se racha e viaja centímetros.
O cometa traçante
Pro universo não está se movendo:
É um ponto viajando lento,

Um risco mapeando o espaço infinito.
Lá no céu não tem som,
Só o om, só o Um, vibração.
Fenecer tantos corpos,
Haja tempo, como andamos.
Mas para o tempo, só poeira,
Mais do Todo.
Cada segundo de cada existência de cada ser,
Pó e vida.
Átomo e Terra,
Meras células de um mesmo deus,
A grande tela que a tudo une.


Ganha estalagmite,
O bóson se adensa,
Os terremotos criam novos relevos.
A Terra girando e nós todos parados.
Aquela paisagem que viu tanto sol a morrer
Tem a paciência de se deixar.
Na montanha tem som de vazio,
O espírito do planeta meditando,
O sábio vento lhe visitando,
As estrelas como mapas de nós
- deciframos pó e vida.
Tudo cintila e é múltiplo
Cada coisa faz parte.
O abraço dos mistérios de todos os deuses
Nas caleidoscópicas realidades que temos que desnudar.


AMADEUS

Amor



O amor tem na goela eternidade.
Cada bocejo um espreguiçar no mundo.
Na farândola inebriante,
O ninho dos astros, tudo a girar,

Os lobos uivando à lua sossegada

E tudo na paz de seus postos no estar.
O amor não é fogo,
Não requer oxigênio.
É lava pululando o profundo,
Amalgamando pastos
Em corredeiras de ouro,
Queimando as beiradas,
Aparando as massas,
Solidificando éons de energia -
a terra em flor.
Não necessita o amor de brevidade.
Não cessa, pois que se transforma,
Transbordando sem fim, sem olhar pro lado.
O amor sorri na fidelidade do sol que sempre vem,
Vibra na água que movimenta,
Baloiça o barco -
E o vento soçobrando.
É tudo o que atesta certeza e paciência,
Não é o que atropela ou atrapalha -
Como fogo de palha.
É cada estrela persistindo serviço,
Cada coração sabendo com a mente a alegria,
O lugar de ser neste mundo,
A harmonia de levar doce paz ao que não vibra.






AMADEUS

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Seu Tupyara

O fogo eleva meu pensamento
O vento encaminha a minha prece
Parece que o mundo fez silêncio
Senti o que meu coração merece

Senti a mente em crepitar de chama –
Fogueira, a vida, faz-se luz e sombra.
Pude me ver em meio ao fogo, em dança,
Queimando tudo o que não é esperança.

Queimando tudo o que não tem lugar
O fogo vivo é o que nunca para
Dentro do fogo vem manifestar
A cura viva de Seu Tupyara

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

BAHIA

Bahia,
seu retrato se fecha
na melancolia
escorrida nos prédios -
camadas -,
na luz da ilha ao longe
tão longa e derramada,
neste barco que se estira
na água escura
depois do pôr-do-sol.
Bahia,
seu retrato no foco
é um berço de estrelas frias,
romântico espaço aberto
como um abraço
de recanto,
multidão e deserto
cabendo no sorriso ardente
de um coqueiro.




31 de janeiro de 2012
Marcelo Asth

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Ficha

Andei por ruas que nunca vi
e nada ao redor fez sentido.
Cadeiras, portas, ruas, janelões,
gente pisando pedras padronizadas.
Pessoas com bocas, laringes, narizes, histórias,
dedos, falanges buscando movimentos.
Tudo exigindo, existindo, resistindo, rindo de mim.
Tudo me olhava, tudo me via,
por toda via, toda a vida das dúvidas,
por toda torta calçada que eu ia..
Deslizei meus olhos pelo nada,
vi pombas, sinaleiros, bares e luzes,
densos homens marchando 
sem saber pra onde o mundo escorre.
Cada ser em eterno féretro.
De tudo o que vi, tudo sabia o nome.
O nome que deram antes de mim.
Mas de tudo o que vi,
nada entendi.
Desavisado do mundo,
caindo a ficha do espanto.
Avistei o céu com uma cor escolhida por outro
e não entendi como os prédios subiram tão alto.
Não codifiquei árvore, grama, inseto,
chão-teto: paredes por quê?
Não sosseguei por saber que ali desde cedo
a profusão de anseios já se dava por estabelecida.
Não saberia dizer como tudo se deu tão rápido,
de como as tormentas, o medo e o sossego
já estavam rondando por aí, 
sem solicitar licença,
sem prenunciar presença.
Tudo antes, ante a mim.
Senti o sol e não compreendi como pôde acontecer.
Olhei minha pele e ela nada me disse -
suou sem muito escândalo.
Sem frenesi, sem frestas, sem fenestras,
sem marquises, sem buracos pra me esconder daquilo,
tudo exposto, servido sem solução.
De todo som que me roeu frenético,
não revelei mistério algum desse presente pressentido,
dessas frequências sinistras que ecoavam ondas mistas.
Desenhos raivosos ou parcimoniosos percorreram minhas vielas,
energias bateram à minha porta
e só pude achar que nem tinha trancas.
Por baixo de mim, galerias correndo esgoto
e cada umbigo por dentro processando.
Cada mente pulsando o que não identifico.
Não fez sentido o que senti do todo
e o cansaço desse lodo foi o que pude decifrar ao certo.
Tudo errado: nada entendi.
O entorno de mim não cabia aqui dentro
e por dentro, nem mesmo eu sabia como fui parar aqui.


Marcelo Asth