quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Pineal

Do meio de minha testa,

em noite virgem de selvas,

libertei meu grilo estampido.


Saiu morno, pineal ventre de mim.

Reconheceu o Universo,

piscou estrelas flertando verde,

usou de asas pendendo em galhos.


Rompeu a noite silente

descabido em sua casca,

buscando o eterno instante

através de uma palavra:


"CRI! CRI! CRI!" -

anunciava a liberdade!


Nas brenhas do breu infinito

meu grilo-eu cria-creu a Verdade. 

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Refugo

O refugo, o rebotalho,
o retalho, a sobra posta,
todo o excesso fora do excelso,
o transbordante destemperado,
o rejeito de barragem,
todo o pó que pesa e fica,
os despojos, os andrajos,
os detritos, os resíduos,
escurralho, dejeto, sobejo,
entulhos de uma ruína,
centenária memória imóvel,
tralha do que se termina.

A sopa de 5 refeições,
a xícara de decoração,
um sentimento corroído,
o caco amado abraçado no peito,
os dias e as noites não vividos,
o inútil à disposição
do passado atravancado,
todo o sobressalente acúmulo
das coisas que me excedem -
só me dão valor quando me perdem
ao não ver que estou de lado.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sonhos

Cuspo meus sonhos,
não preciso de mais nada.
Abro as pernas pro delírio
e dedico-me a morrer consciente.


Cubro meus olhos com terra
pra que se acostumem ao frio
e fruo todo o poente 

para a madrugada raiar feitiços.
Espero o feto de meu destino
e sigo criando pernas,
me enfeitiçando a cumprir minha espera.


Que navios pegarei no meio do mar?
Morro a cada âncora lançada
e crio asas para que eu saiba escapar da morte.
Assim vou jogando o jogo,
cantando meus angelus,
quebrando vidraças,
mudando minhas máscaras,
morando nas ruas,

perdendo-me em olhos.

Faço cada esquina 

um álbum de recordações 
e depois queimo
com a chama da videterna.

Cuspo para cima 
em meu passado morto -
que é um prato que me comeu vivo.


Deixo o silêncio às minhocas de minha morte,
por enquanto faço barulho.
Exalto com cores pra que me destaque
da cinza polifonia que ameaça o planeta.

O novo que irrompe o golpe do tempo
requer coragem

e à margem do centro
sigo como posso.

Ardendo em calor na carne,
fringindo frio nos ossos.

Engulo meus sonhos
comprimidos de delírio
e sinto precisar do todo.
Fecho minhas pernas para caber por aí
e durmo sabendo onírico pouso. 

um ponto de alma

Um ponto de alma. 
Um princípio derradeiro.
Aquela é a tua escada: usa para subir.

Toda subida é sem curva; 
saiba bem o que é subir.
Às vezes se pensa que se sobe, 
mas descendem o que eleva 
e seguem na direção sem direção e meta.

O passo é mais profundo, 
mas para cima se deve alçar, 
madeira após madeira. 
Há os pontos para pisar. 
Empurra e eleva, 
empurra-eleva, 
maquina teu estudo. 

Sobe. Sabe já subir?

Se pisa no vão, em vão, 
despenca e leva quem vai abaixo contigo,
direto ao chão. 

Cada metro a mais requer cuidado. 
Sorrateiro, não perde a inteireza... É delicado. 
Ruma forte e firme e leve e passageiro.
Teu passo é somente intenção.

Ao mesmo passo que se sabe subir com propriedade, 
os pés já acostumaram com o jogo; cuida-te como iniciante. 
Sempre teu passo é o primeiro. 
Sabendo-se a ação, 
o alerta é redobrado.
Não te acostuma pois no costume mora o tombo. 
Sempre seja o primeiro e o desconhecido 
- em cada novo, impõe cautela. 
Pisar em falso é não seguir verdade.

Vede, à sua frente está a tua escada. 
Vá com calma. 
Segue. 
Sossegue. 
Tateia o que te eleva sem tonteio
 e leva contigo o que é certo, 
até sentir as nuvens seus pés acariciando.

Está no cume de seu céu? 
Agora sim, joga-te. 
Lança-te como notas de um perfume em vento certo. 
Sê leveza e não te distrai. 
Nunca mais há de se cair 
o que aprendeu verdadeiramente a subir.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Oxalá acho lá em meu peito
em minha coroa sua pomba repousa
Epababá é todo meu respeito
luz do branco nessa caminhada
Por que o que importa é o acaso.
É o aleatório randômico espontâneo
que baixa do divino desprendimento
e o encontro é só o respeito
é o peito em contato com o peito
o coração fala com os reis

De tanto falar seremos só barulho,
vamos falar no silêncio,
vamos falar no sereno.
Vamos, fale borbulhando!
Ser a água corrediça
ir correndo na firmeza
lavando terra lavando água.
O que importa é o acaso,
é nele que o jogo comanda -
o sinal está ali abençoado.
Poderíamos ser só dança
e máscaras com flores risos e traças
no momento o mundo gira
porque dançamos também?

há algo por dentro de mofo
há algo de fome lá dentro
há de dar de comer ao que urge
gastriticamente falando
bilis sibila azedo chorume
uma cobra vazia à espera do boi velho
a rapina empoleirada e a criança fraquejando
tudo é duelo de energias
nesse mundo nada se cansa
tudo é guerra
nunca cessa, paz é uma canção, mas tudo cansa
batalha e demanda
água calma do poço da cachoeirinha
cada bolha uma inteiração
bebe a água do confronto
do gargalo, confluência
encruzilhada d'água
lambendo o mofo
e toda a sede
de toda a espera vazia