sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Refugo

O refugo, o rebotalho,
o retalho, a sobra posta,
todo o excesso fora do excelso,
o transbordante destemperado,
o rejeito de barragem,
todo o pó que pesa e fica,
os despojos, os andrajos,
os detritos, os resíduos,
escurralho, dejeto, sobejo,
entulhos de uma ruína,
centenária memória imóvel,
tralha do que se termina.

A sopa de 5 refeições,
a xícara de decoração,
um sentimento corroído,
o caco amado abraçado no peito,
os dias e as noites não vividos,
o inútil à disposição
do passado atravancado,
todo o sobressalente acúmulo
das coisas que me excedem -
só me dão valor quando me perdem
ao não ver que estou de lado.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sonhos

Cuspo meus sonhos,
não preciso de mais nada.
Abro as pernas pro delírio
e dedico-me a morrer consciente.


Cubro meus olhos com terra
pra que se acostumem ao frio
e fruo todo o poente 

para a madrugada raiar feitiços.
Espero o feto de meu destino
e sigo criando pernas,
me enfeitiçando a cumprir minha espera.


Que navios pegarei no meio do mar?
Morro a cada âncora lançada
e crio asas para que eu saiba escapar da morte.
Assim vou jogando o jogo,
cantando meus angelus,
quebrando vidraças,
mudando minhas máscaras,
morando nas ruas,

perdendo-me em olhos.

Faço cada esquina 

um álbum de recordações 
e depois queimo
com a chama da videterna.

Cuspo para cima 
em meu passado morto -
que é um prato que me comeu vivo.


Deixo o silêncio às minhocas de minha morte,
por enquanto faço barulho.
Exalto com cores pra que me destaque
da cinza polifonia que ameaça o planeta.

O novo que irrompe o golpe do tempo
requer coragem

e à margem do centro
sigo como posso.

Ardendo em calor na carne,
fringindo frio nos ossos.

Engulo meus sonhos
comprimidos de delírio
e sinto precisar do todo.
Fecho minhas pernas para caber por aí
e durmo sabendo onírico pouso. 

um ponto de alma

Um ponto de alma. 
Um princípio derradeiro.
Aquela é a tua escada: usa para subir.

Toda subida é sem curva; 
saiba bem o que é subir.
Às vezes se pensa que se sobe, 
mas descendem o que eleva 
e seguem na direção sem direção e meta.

O passo é mais profundo, 
mas para cima se deve alçar, 
madeira após madeira. 
Há os pontos para pisar. 
Empurra e eleva, 
empurra-eleva, 
maquina teu estudo. 

Sobe. Sabe já subir?

Se pisa no vão, em vão, 
despenca e leva quem vai abaixo contigo,
direto ao chão. 

Cada metro a mais requer cuidado. 
Sorrateiro, não perde a inteireza... É delicado. 
Ruma forte e firme e leve e passageiro.
Teu passo é somente intenção.

Ao mesmo passo que se sabe subir com propriedade, 
os pés já acostumaram com o jogo; cuida-te como iniciante. 
Sempre teu passo é o primeiro. 
Sabendo-se a ação, 
o alerta é redobrado.
Não te acostuma pois no costume mora o tombo. 
Sempre seja o primeiro e o desconhecido 
- em cada novo, impõe cautela. 
Pisar em falso é não seguir verdade.

Vede, à sua frente está a tua escada. 
Vá com calma. 
Segue. 
Sossegue. 
Tateia o que te eleva sem tonteio
 e leva contigo o que é certo, 
até sentir as nuvens seus pés acariciando.

Está no cume de seu céu? 
Agora sim, joga-te. 
Lança-te como notas de um perfume em vento certo. 
Sê leveza e não te distrai. 
Nunca mais há de se cair 
o que aprendeu verdadeiramente a subir.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Oxalá acho lá em meu peito
em minha coroa sua pomba repousa
Epababá é todo meu respeito
luz do branco nessa caminhada
Por que o que importa é o acaso.
É o aleatório randômico espontâneo
que baixa do divino desprendimento
e o encontro é só o respeito
é o peito em contato com o peito
o coração fala com os reis

De tanto falar seremos só barulho,
vamos falar no silêncio,
vamos falar no sereno.
Vamos, fale borbulhando!
Ser a água corrediça
ir correndo na firmeza
lavando terra lavando água.
O que importa é o acaso,
é nele que o jogo comanda -
o sinal está ali abençoado.
Poderíamos ser só dança
e máscaras com flores risos e traças
no momento o mundo gira
porque dançamos também?

há algo por dentro de mofo
há algo de fome lá dentro
há de dar de comer ao que urge
gastriticamente falando
bilis sibila azedo chorume
uma cobra vazia à espera do boi velho
a rapina empoleirada e a criança fraquejando
tudo é duelo de energias
nesse mundo nada se cansa
tudo é guerra
nunca cessa, paz é uma canção, mas tudo cansa
batalha e demanda
água calma do poço da cachoeirinha
cada bolha uma inteiração
bebe a água do confronto
do gargalo, confluência
encruzilhada d'água
lambendo o mofo
e toda a sede
de toda a espera vazia

elétrico

estava com tudo em mãos
eu respondi ao tempo
ele me deixou ver
passei tonteios e dores
mas busquei na raiz o viço
luz pulsando em mãos
eu perguntei ao espaço
ele me fez sentir o choque
o cheiro da eletricidade
radioterápica da máscara de tela
pele de cobra
cantando o poente
celebremos o movimento eterno
algo disse em mim
é hora de seguir pra ser
os olhos demoram a abrir
sentidos são flores sem igual
o corpo registra o passeio da alma aqui
tudo filme e nós pensando além
sonhando ser o que se absorve
sem mesmo se abrir pro que será

expectativa

Cuidado com a expectativa:
Se ela quebra, espalha caco,
Quando parte, pó de vidro,
Sangra sonho, corta pé.
Pode vir de qualquer parte,
Vezes vem como má-fé,
Ou talvez vem da inocência
De se crer no que não é,
Alimentar o que não deve,
Reconhecer o que não quer.
Atenção se a mão escapa,
Se escapole mole até,
Cai no chão o que voava,
Nem faz um barulho sequer -
Que uma ilusão estilhaçada
Morre de um jeito qualquer.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

ciclo do ciclo

A iminência da perda.
A corda no teto.
O abismo já vazio.
Relógio parado.
O copo sujo na pia.
O desacostume:
O brilho da estrela que cessa.
O alumbramento.
A esperança.
O desejo pulsante.
Cansados na beira da praia esperando o mar.
Na gaveta a roupa poída.
O lance no tabuleiro.
A carta na mesa.
Aposta é encruzilhada.
O que vale o que valeu?
Por baixo correm pinos e os ases da glória.
Peça por peça nunca fará o todo.
A pior bagagem será feita de memória.
Voltemos às mortes que nos zeram.
Cantamos convalecidos,
Morrendo nos agarrando.
Confusos aprendemos o novo
E nunca o velho se suporta.
Que o elástico rompe.
Que o ferro se quebra.
Que a flor despetala.
Que o fruto fenece.
Que a dor também morre
assim como o riso.
Ciclo do ciclo:
Redemoinho.
Só nos resta o encontro
De outro caminho.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

sereno

Eu penso que esse mundo acabou
assim que eu posso recomeçar
e cada vez que vejo o sol brilhando
sei que a lua velará também meu sono

e cada vez que os pés marcarem a terra
eu sentirei o mundo velho ali
sob mim
que todo o peso de antes já não pulsa
e arde em mim tudo o que reina no justo
e canta em nós somente o sereno

eu penso que acima há só o céu
também está o que já há de vir
e todo o devir transcendental
como tudo está leve, livre flutua como nós
dançando para sempre tempos antes e após
brotando com a força que chegou
só penso nunca ter estado aqui

eu penso que esse dia já se deu
em nós a nostalgia de um futuro promissor
passados são ideias enganosas
queremos sempre dar o passo do início
viver do pão da coragem e da ousadia
olhar no outro os olhos de um santo
que já se renasceu morrendo bento

pois sei, não há mal nenhum mirar estrelas
pois sei que esse mundo já acabou
eu penso e aqui se manifesta
assim que eu posso recomeçar

Buraco




Um bom buraco de terra
Que abraça como coberta,
Que enche de argila
e esculpe bom sono
e desculpe qualquer coisa além da superfície.
Come o banquete das imundícies,
Entranhe raízes pra sugar vida.
Cavado escuro lar das minhocas,
Que se aprenda a arejar com elas.
Meio à cascalho, nutre duro e solve,
Se desfaz para a quietude refazer todo o mundo.




quinta-feira, 25 de abril de 2019

manga

chupar manga a sós abre um portal na pia, no pé, na paia. nu galho, na ribanceira. por tal dente, boca, fico bagaço de tua bagunça. manja a manga, manjar. o cão chapando ganja jantar mistério frutuoso, amarela seiva. sei vasculhar cada fiapo de sua ceia. escorre o sangue mirceno de uma frondosa mangueira na apoteose da apoptose apetitosa dentada cheia.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

naftalina


Escorre de mim 
O vapor de uma naftalina.
Sublimação sublime,
Transformar-me diferente...
A lágrima nem vira rio,
Solidifica e fica estanque.
Gasoso é o que rio,
Indefino meu estado.
Só lido com a solidão exangue
De cada veia antes líquido,
Na reação da pressão
Do meu ar descomprimido.
Cientista de emoções 
Não esboço nunca o método.
Química que me queima vivo,
Laboratório secreto.

curto


No eletroencefalodrama
Eletrodos estamos ligados.
Acusam que somos curto,
Controlam nossos impulsos,
Mas nesse sistema nervoso
Eletricatividade convulso.