quarta-feira, 18 de setembro de 2013

AUTO-COMBUSTÃO

Eu me possuo vermelho
Tanta tirania
Meu coração dispara
Tiro à queima-roupa
Mas tudo queima
Meia veia teima
E não me poupa

Eu me torturo centelha
Presa no paiol
A plantação toda em volta
Se revolta em jogo
Mas nada aquece
Esquece, cresce, tece
Ateia o fogo

Eu me explodo aparelho
De frouxo botão
Um homem-bomba-brinquedo
Feito estupidez
Que se escangalha
Calha, tralha, falha
Em sua nudez

Eu me provoco espelho
Auto-combustão
Que minha boca incendeia
Como punição
Mas tudo pulsa
fuça, avulsa, expulsa
vira carvão.

Marcelo Asth
 
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25 de julho de 2011

sábado, 17 de agosto de 2013

QUADRO

O corredor de quadros
meio paro, meio passo
olhar domesticado
pro lado de dentro

o que vejo é como um grito
faz perder sentido
quanto será que vai custar?
surpresa.

sai daqui, eco dos meus passos,
que meio ando, meio paro.
cada quadro
meu retrato
esmaecido, derretido
querendo estar parado.

Wolf de Andrade = Marcelo Asth + Lucas Nascimento

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2 de junho de 2011

Cobra

COBRA

Cuidado com a cobra
que te abraça.
Pode ser afeto, 
pode ser ameaça.

Faz fechar teus olhos.
Enquanto isso esmaga.
E com a língua bifurcada
lambe outra imagem que apaga.

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25 de junho de 2011

Lumiar

LUMIAR
para Daniela Asth
A densidade da mata
fechada no verde intenso.
Meu coração bate como
uma carpa no rio gelado.
Essa lua que adentra
a cabana serrana
é a mesma que molha os olhos.
O movimento da água
na escura madrugada
se assemelha à gota vermelha
na veia cava.
Minha alma serenada
cava passos num chão de barro
e ressoa o frio.

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27 de maio de 2011

Naufrágio

NAUFRÁGIO

Da forma lenta
que você me vê -
da mesma forma
que o sargaço me engole -
tenho três olhos,
duas bocas, solidão
e um pulmão
que pouco ar
talvez console.
Da forma pura
que me empurra
os teus sinais
é que segura
o teu jogo,
vai e vem.
Sou o teu barco
à deriva,
solto derivando
em teu desdém.
Tantos naufrágios
vêm águas elucidar.
Das formas breves
que me levam a afogar.
Este sinistro abraço
quebra os silêncios
e vai quebrando os cascos
de embarcações.
Todo o devir
que acaba a vir
me revirando,
é um sufrágio
em águas tortas,
mornas, mansas,
teu remanso de monções.

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14 de maio de 20111

Religião

RELIGIÃO

Vomitar nos vãos das catedrais
soluços impregnados de espanto,
espiando o expiar dos santos
em milhares de contas de rosários.

Um terço do que sou está rindo de mim.
Nenhuma confissão pode vazar minh'alma;
distribuo a hóstia dos sacrilégios
e o vinho tinto das desgraças.

Minhas preces não chegam a Deus -
colidem na abóbada e despencam no altar.
O alto campanário é triste como um purgatório
e tão irrisório pros céus é o meu penar.

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8 de maio de 2011

Dinorah Lima = Marcelo Asth + Daniela Asth

Borboletário

BORBOLETÁRIO

serei desta terra enquanto borboletas baterem suas películas vitrais à procura da luz que aquece meu casulo. E quando amanhecer o dia outro num rasgo de sol ao romper da aurora, direi que, andarilho poente, resgatarei o fio que deixei na teia de uma outra terra, que é a terra do agora.

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7 de maio de 2011


Estradas

ESTRADAS

Eu tenho ar, direção, vidros e travas
e estradas com vivos olhos-de-gato.
Perco meus freios numa curva fechada
e capoto, capoto, capoto em abismos.

Quem se pôr na minha frente
que se atropele trôpego,
pois meus faróis estão apagados
nas curvas noturnas e serranas de mim.

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6 de maio de 20111

Nefelibata

NEFELIBATA

Eu, doido desequilíbrio,
ébrio dançarino em nuvens,
piso fofo o terreno frágil
querendo estar no meu seguro piso.

O coração nas alturas
desnorteado na pressão,
não sabendo sístole certa,
diástole sofrida demais.

Quem dera ser pássaro altaneiro
no campanário de uma igreja mineira...

Mas eu vou além, um foguete,
querendo explodir mil constelações no escuro.
Nefelibata se debatendo
quando pisa em falso o terreno inóspito,
escorregadio cego de um céu de ego nublado.

Vagueia o vento numa loucura saborosa
soprando e ditando rumos descontroles.
Eu sou tão paixão que nem mais me entendo.
Caio de nuvens, bato no chão
e me suspendo.

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24 de abril de 2011

Sideral

SIDERAL

Preparo contraindo
a mola propulsora.
Toda a energia espiral
que libera um impulso,
me recebe, catapulta,
me impulsiona, me repulsa,
me lança, ser sideral.
Tudo bem, não sou daqui.
Vagueio um buraco negro
entre astros metamórficos.
Vou sumir na lentidão
da velocidade da luz,
me espalhando, preparando
um possível Big Bang.
De mim não nascerão mundos.
Apenas dos sentimentos imundos
novas estrelas cintilarão
nos cinturões que já disponho
em desenhos desiguais.

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19 de abril de 2011

Ou

OU

A sabedoria de quem
saboreia uma sombra
ou se alimenta do
gosto da chuva.
A alegria de quem
não repousa um dia
ou sente o abraço do
tempo em memória.
A parcimônia de quem
canta lavando roupa
ou escolhe o legume
na feira dominical.
A paixão de quem
beija o próprio braço
ou escreve poemas pra
entender porque queima.

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19 de abril de 2011

Ceia

CEIA

a lua pendurada na linha
que divide o céu do mar
tem tudo nas mãos
na sutil divisão do mundo
quando as plêiades
e as anêmonas
dançam juntas
procurando devorá-la.

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17 de abril de 2011

Sinfonia

SINFONIA

Que mistério na ponta da língua
não lambe a revelação de uma dimensão não descoberta...
uma pele inteira pinica.
Toda a pronúncia desses meus suspiros débeis
são sopros que em razão desalinham.

Teu sussurro, 30 decibéis.
Férteis.
Meus ouvidos se coçando de euforia.
O amor, não dá pra entender.
Fartos os pensamentos de peso sobre medidas.

Teu sorriso vem me soando catástrofe:
premedita abalos recorrentes;
minhas estruturas ficam rachadas
e pelas gretas entram todos os teus sons
me estuprando
sinfonia.

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10 de abril de 2011

Natação

NATAÇÃO

Bater braços.
Nada.
Tudo o que me afoga no mar
me afaga.
O cansaço da ânsia desperta:
o ar no pulmão me aperta,
a distância do cais me aparta. 
O caos não quero mais.
Por nadar, a água está farta.
O pulmão que abra e feche
pra eu conseguir boiar!
Bóia no mar.
Habito o que em mim se mexe
e se espraia em meu habitat.
Morrer na praia não deixe.
Que o mar não está pra peixe,
que o peixe não está pra mar.

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7 de abril de 2011

Peso

PESO

Mil sonos irão me assolar,
pondo todo o peso na pálpebra.
Nos ombros a impressão de quilos.
No peito o peso daquilo.
Toda massa que amassa no chão,
coração batendo chumbo.
Respirar vem me doendo.
Recebo ar doando gás pro mundo.
Dentro de mim um carburador imundo.
A carne abraça os ossos
e a alma se esmaga esvaindo,
na calma pro fundo dos fossos
sorrindo.

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7 de abril de 2011

Valsa do Desalinho

VALSA DO DESALINHO

Viver,
este rito de espera.
Impera quem teme esperar
e finge que não desespera
o ritmo que tem que emperrar.

Não deixa fluida a dança
e lança fingindo deixar.
A música é a falsa esperança
de quem não consegue valsar.

O tempo que segue marcando
condena quem erra algum passo.
Os riscos marcados por terra
alinham o meu descompasso.

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7 de abril de 2011