quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Golpe

GOLPE


Caía o viaduto como tarde,
Era tarde e tudo escurecia.
Os cães soltaram-se
E tinham fome,
Num galope cheio de dentes
Numa rua já vazia.
Como o pior dos golpes,
Como gases sorrateiros,
Tristes trevas debruçaram
Nas estrelas da bandeira.
Torpe golpe traiçoeiro
Das medidas do poder,
Que o controle que se exerce
Sobre qualquer ser que seja,
Só instaura leis de medo
Nos silêncios, gotas frias -
Que pingam na testa fraca
Da estátua da Justiça.
Exílio de todo o riso
na terra silenciosa,
Onde a canção que se canta
Grita muda e poderosa
Pra cobiça dos poderes,
Palavras, forças amadas
Militando em verdade.

Triste golpe limitar
A palavra liberdade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Se me

Se me pinto, minto.
Se me monto, ponto.
Se me sinto, sento.
Se me santo, manto.
Se menino, tino.
Se me mino, acanho.
Se me mimo, animo.
Se me nino, sonho.




Segredo

Segredo



O simples complexo saber:
Olhar para si sendo o outro,
Viver o outro e ser mais si.
Priscas ancestralidades pesam
Acenando da roda de Sansara.
O mundo dói, rói, ama,
acaba, cura, sara.
Não para.
O maracá das divinas vibrações
Gira constelações na surpresa da vida.
- Tudo vibra, tudo vibra, tudo vibra...
Tudo víbora curando e mordendo
Sempre com a força do mesmo veneno!
Tudo junto, eu esmo, eu mesmo,
Na ética pura da hermética Lei.
Dizer sim nos tempos do não
E aceitar a firmeza amorosa
Que apazigua o coração,
Num coletivo sistólico-diastólico
Em doação e recepção
Estando um,
Crendo num,
Sendo om –
O som do sim da sina.
Simbiose, metamorfose, mitose,
Multiplicação da sagrada disciplina:
Olhar pro outro sendo outro,
Realizando um fantástico degredo!
Olhar pra si sendo si,
Sem abismo, sem medo... sempre cedo –
Um torto caminho de eras
Contido num simples segredo.


Vô Cosmos




Caminho

caminho


Cereja do jeito que flor
Vou até o sim do Caminho
E onde eu este ver
Sigo sempre em mente
E nunca olho pra três.
E dependente de tudo
Vou cutucar a bonança para que curta
De cabeça alerta,
Com oração batendo forte no jeito,
Estando livro pra voar -
Leve estante de eterna idade.

Hildebrando Soares





Uni verso

UNI VERSO

Miríade espacial,
Fogosa lâmina negra.
Calores, colares, colagens, 
Cocares de cardos de estrelas...
Pontos de pontas que apontam
Rastros de astros, planetas.
Átomos, átimos, ritmos,
Algoritmos cometas,
Pasmos, espasmos, marasmos,
Mar cósmico de ondas pretas.
Universo, imerso verso,
Alfa, beta, gama de letras,
Prescrita escrita infinita
De espirais e piruetas.
Sois sóis pulsando a sós 
Fluxo de fótons,
Luzes-canetas.


Marcelo Asth


Para um poema triste

Para um Poema Triste


Um poema destinado a ser triste
Tem que ter um oh!
Tem que ter um ah!
Tem que ter um algo
Que a palavra não permite.
Tem que ter a prece
Ocultada que persiste
Numa rima que apresse
O que o verso não insiste.
Um poema dito de melancolia
Tem que ter início
De um fim de poesia,
Sendo fictício
No real da fantasia.
Tem que ter um oh!
Tem que ter um ah!
Tem que ter suspiro
Para além de uma grafia.




Marcelo Asth

Mar no Olvido

MAR NO OLVIDO



MEU OUVIDO ESPIRAL OUVIU.
COM O MAR NO OLVIDO:
MAR, CÉU, ELO -
EU NO INTERIOR DAS CONCHAS
ACONCHEGADO.
CHEGADO DE MAR, IMPULSO,
MARACÁ NA MÃO CANTANDO, 
EM PULSO CHOCALHANDO O MUNDO.

PASSO, IMPRESSÃO DE AREIA,
GRÃO, SAL, LENTIDÃO, SEREIA.
E POR LÁ IA O TEMPO
QUE TEM PÓ DE MARESIA.

A PRAIA, UM TEMPLO.
DEBANDA A ESPUMA JAZENDO EM RENDA...
POR ESSAS BANDAS
UM BANDO SE OFERENDA.

E NÃO TEM PEITO QUE NÃO INUNDE,
NEM CORAÇÃO QUE NÃO ENTENDA:
QUANTO MAIS ONDA EU OUÇO,
MAIS EU BALOUÇO,
MENOS ME AFOGO.
LOGO,
QUANTO MAIS MAR EU VEJO,
MENOS MAREJO,
MAIS EU MARUJO.
FUJO.

Música da Gente

MÚSICA DA GENTE


Devemos cantar estrelas e
Encharcar de tempestade,
Rindo todo o sol poente
Que desaba na cidade.

Chegamos com toda a sorte,
Com viço de potestade,
Cheios de epifania, utopia
E vontade.

No entanto, procuramos
Decifrar os nossos sonhos,
Desanuviando os olhos
Pra rever nossa Verdade.

Perseguimos o futuro
Carregando uma saudade,
Sem âncoras e sem amarras,
Com amor em quantidade
Pra semear qualquer peito
Fértil de felicidade.

Sem bandeiras ou um lema
Vivemos nosso poema
Mutante, candente!
Sente!
Abrimos nosso presente
Repartido como versos.
Quem quiser mil universos
Siga a música da gente!

Devemos cantar estrelas e
Encharcar de tempestade
Rindo todo o poente
Que desaba na cidade.

Iremos até à morte,
No ciclo das muitas vidas,
Sem dúvida cheios de dádiva,
Seguindo sem fazer dívida,
Se indo, sendo e amando
À mando da mão divina,
Colhendo nossas escolhas
Nas escolas dessa vida.

E vamos com toda a sorte,
Com viço de potestade,
Cheios de epifania, utopia
E vontade!