segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sonhos

Cuspo meus sonhos,
não preciso de mais nada.
Abro as pernas pro delírio
e dedico-me a morrer consciente.


Cubro meus olhos com terra
pra que se acostumem ao frio
e fruo todo o poente 

para a madrugada raiar feitiços.
Espero o feto de meu destino
e sigo criando pernas,
me enfeitiçando a cumprir minha espera.


Que navios pegarei no meio do mar?
Morro a cada âncora lançada
e crio asas para que eu saiba escapar da morte.
Assim vou jogando o jogo,
cantando meus angelus,
quebrando vidraças,
mudando minhas máscaras,
morando nas ruas,

perdendo-me em olhos.

Faço cada esquina 

um álbum de recordações 
e depois queimo
com a chama da videterna.

Cuspo para cima 
em meu passado morto -
que é um prato que me comeu vivo.


Deixo o silêncio às minhocas de minha morte,
por enquanto faço barulho.
Exalto com cores pra que me destaque
da cinza polifonia que ameaça o planeta.

O novo que irrompe o golpe do tempo
requer coragem

e à margem do centro
sigo como posso.

Ardendo em calor na carne,
fringindo frio nos ossos.

Engulo meus sonhos
comprimidos de delírio
e sinto precisar do todo.
Fecho minhas pernas para caber por aí
e durmo sabendo onírico pouso. 

um ponto de alma

Um ponto de alma. 
Um princípio derradeiro.
Aquela é a tua escada: usa para subir.

Toda subida é sem curva; 
saiba bem o que é subir.
Às vezes se pensa que se sobe, 
mas descendem o que eleva 
e seguem na direção sem direção e meta.

O passo é mais profundo, 
mas para cima se deve alçar, 
madeira após madeira. 
Há os pontos para pisar. 
Empurra e eleva, 
empurra-eleva, 
maquina teu estudo. 

Sobe. Sabe já subir?

Se pisa no vão, em vão, 
despenca e leva quem vai abaixo contigo,
direto ao chão. 

Cada metro a mais requer cuidado. 
Sorrateiro, não perde a inteireza... É delicado. 
Ruma forte e firme e leve e passageiro.
Teu passo é somente intenção.

Ao mesmo passo que se sabe subir com propriedade, 
os pés já acostumaram com o jogo; cuida-te como iniciante. 
Sempre teu passo é o primeiro. 
Sabendo-se a ação, 
o alerta é redobrado.
Não te acostuma pois no costume mora o tombo. 
Sempre seja o primeiro e o desconhecido 
- em cada novo, impõe cautela. 
Pisar em falso é não seguir verdade.

Vede, à sua frente está a tua escada. 
Vá com calma. 
Segue. 
Sossegue. 
Tateia o que te eleva sem tonteio
 e leva contigo o que é certo, 
até sentir as nuvens seus pés acariciando.

Está no cume de seu céu? 
Agora sim, joga-te. 
Lança-te como notas de um perfume em vento certo. 
Sê leveza e não te distrai. 
Nunca mais há de se cair 
o que aprendeu verdadeiramente a subir.