sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Labirinto

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Querem nos fazer crer a realidade.
Todo labirinto é feito de muros-camadas.
Encontrar o minotauro é explodir a chave 
e acabar com toda a ideia de portas.
Tudo está aberto.
A liberdade é para poucos e até os poucos titubeiam.
Pois o caminho do Nada requer mente integrada.
Nunca exploda estruturas se não sabe lidar com a falta delas.
Se não, vive o labirinto, observa as camadas.
Aos poucos, vai usando a sabedoria do zonzeio do mapa
e colhe teu conforto numa esquina sem meta.


Amadeus

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

ONÇA



Entrar na minha floresta bradando
Emergir o cenário verde verdade
Me lançar pelos chãos de folhas
Feito onça poderosa correndo sem lei
Galopar até chegar à beira do precipício 
E me lançar
Voando para o início.



OCULTO



Bati três vezes no toco,

no oco das coisas minhas.
Chamei no poder do fogo
os mestres das entrelinhas.

Segui por toda a vida

com meus olhos vendo tudo,
sem ver a letra invisível
escrita no papel mudo.

Fechei os livros dos outros,

mudei meu foco de estudo.
Bati três vezes no toco -
por pouco não vejo o mundo.

Por muito não vejo o universo,

meus mares, de tão profundos.
É preciso estar imerso,
imenso a cada segundo.

Meus mestres não dizem tanto,

no entanto, eu ouço muito.
Ouvindo a canção eu canto.
Cantando o segredo, oculto.



Leôncio Orleans

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Existência


Um pecador me falou que não existiam homens santos. 

Um homem santo me disse que pecado não existe.

O pecado me soprou no ouvido sua existência.

Existir me fez, no entanto, um tanto de pecador e santo.

sábado, 12 de novembro de 2016

são

Percebi.
As telas da ilusão cercaram a mim
mostrando vídeos bons em tempos ruins,
um vasto tão elétrico na palma de minha mão -
imagens vão correndo sem saber que são.

Recebi
o afago das novelas pão café das 6
correndo pelas mentes a valsa dos sem-vez
que cantam o falso jingle de uma marca de sabão -
e o sótão se sujando com o pó do porão.

Investi
num mundo em que eu voasse estupefato.
No salto, o mundo tão pequeno lá do alto -
minha tela webcam olho de águia no clarão
vai se registrando em mim em alta resolução.

Resolvi
que o traço da História sou só eu quem faz
com o mundo em benefício de amor e paz -
mananciais de luz, reais, a tudo jorrarão;
bebendo dessa fonte e afogando a ilusão.




Tobias Melequiel

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

avesso

Eu andei ao avesso.
O osso exposto,
o rosto pra dentro
e os pés tão calados.

Tantos calos no peito,
tanto queixo pra baixo.
É assim no avesso
que talvez
eu 
me acho.

Meu umbigo pra dentro,
meu umbigo pra fora,
umbilical rosário
de minha Nossa Senhora.

Tanto pelo pra dentro,
tanto medo pra fora,
tanta veia fremendo
e a carne revelada.

Eu andei ao avesso,
atravesso o meu passo -
é assim ao avesso
que talvez
eu
me faço

eu me faço.

sábado, 29 de outubro de 2016

Poeira

Limpar a poeira debaixo do tapete, 
do topete, do "tô puto", do potente.
Pra que tudo fique limpo
É preciso que se tente
Sempre estar se faxinando,
Sem acúmulo no que sente.




Ramir Aldukr

Centauro de Ouro



Quirón, pisa no terreiro e não aponta a flecha pro aéreo. 
Quimera metade homem, meio cavalo, arqueiro das estrelas.
Bruto e leve, amálgama misteriosa que habita os planos.
Não viaje no espaço sideral enquanto teus cascos sapateiam no aqui-agora.
Mira tua flecha pra baixo, Centauro de Ouro,
teu alvo é o solo que te abriga o trote.
Quirón, usa teu fogo e tua pressa como combustíveis do ser buscando,
não como explosão de gás que detona as conexões.
Sua flecha passeia dupla, mas seja uno com o teu propósito.
Não relinche, pois sua boca é da palavra do Homem,
apenas corra, para alcançar o que equestre se impulsiona.


Olavo Brimeji





quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Amarante




Me rasgaram os pés.
Fui caducando, claudicante,
Deixando pistas pelo solo.
Perdendo quilos de tanta apatia,
Patinando sem parecer sair do lugar.

Estabanado, com os pés em dança,
Cantando ais no ritmo da música.

Na festa de São Gonçalo de Amarante,
Pagando penitência
Enquanto uns só me viam bailar.



Beato Maranias

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Bico

Não mais me choco.
Explodo logo a casca do meu ovo.
Rompo o novo,
Desfaço casulo,
asilo, exílio e êxodo
Daqui pra frente.
Já viu borboleta descontente?
Nem tente, não vem, que não tem.
Vai!
Furo com o bico da paciência
Toda bolha de resistência -
Minha esfera é o Todo.
Não há aderência ao lodo,
Não há peso nem medida,
O tempo também explodiu
Em cacos de mil ponteiros,
Milésimos de despedida.
Não há desculpa nem culpa,
Nem mais tanto céu,
Nem mais tanto inferno.
Sigo vaga-lume, pisca-alerta,
Pululando a força do Eterno.



Marcelo Asth

quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Morte da Esperança


A esperança era verde, 
Tinha antenas,
Primorosa.

Eu sentado no sofá
Diante da epifania:
- Folha viva!
- A última que morre!
- Um sinal, quiçá um presságio...
-"Dança na corda bamba de sombrinha"!
...
Risos, frases, olhares e interjeições.
Perdi o meu tempo, ludibriado
Por aquela que ali estava -
Mas a nós nunca chegava.
...
Um século sentado no sofá
No feitiço da esperança
No replay da eterna dança
Na corda bamba, indo e vindo.
Incomodou-me assim os olhos,
A bunda, o cérebro,
Me faltou posição,
Faltou espuma no sofá -
Tudo ali me cutucava:
Nada mais fazia sentido.
.
Dando um fim nesse conflito
Passei a mão em minhas chinelas
Esmaguei no chão, num grito,
A ilusão que eu abraçava.
Mas nunca que ela morria,
Protelava pro amanhã -
Pois tudo com a esperança
Não é trato do imediato,
Nem dá pra morrer no ato.
Vai esperando a esperança...
- Não espero, dá que eu mato!
E de fato, morreu mansa...
;
(Na verdade, a esperança
É preguiça disfarçada,
De esperar sempre que o outro
Lhe dê certa a chinelada.)
!
E agora, de asa quebrada,
Quedou-se da corda bamba
Destemperada, despedaçada,
A esperança desesperada.
Em mim ela ficou esmagada,
Borrão verde com antenas,
Nunca mais tão primorosa.
Sua hora era chegada.
/
E nem ecoou em mim,
Precisei do mundo afora,
Meditar, ver tudo à frente,
Ser mais fauna, ser mais flora,
Ver o verde de verdade,
Ver o aqui e ver o agora.
:
Decidir que o tempo é hoje
E acordar com a confiança -
Que essa não se mascara,
Quer trabalho e não se cansa
De fiar junto com o outro,
Sem estar preso e sem fiança,
Provando no vento a corda
No acordo que, mesmo bamba,
Seja risco, seja riso, seja siso e seja samba.
*

P.S.: e se é ela a última que morre,
Já dei graças, morri antes!
Como é bom trocar a casca,
Ganhar asas e ir adiante!



Geremias da Torre

Alarme



Acabo de ter um sonho
Meramente cotidiano.
Nele, encontrei um guarda-chuva e um caderno
Perdidos num banco de um banco.
Busquei a dona e não encontrei.



No ponto de ônibus me espreguicei.
Em outro movimento, 
uma moça estendeu seu corpo -
Dois bailarinos de sonho esticando 
Seus dois corpos de energia.
Dois corpos, um brinde,
Festim tin indo no rastro do encontro.
Líquidos virtuais vidros
Tímidos trocando átomos.


Assim, de repente, tocamos
As pontas dos cotovelos.
Nos olhamos, 
conhecemos, 
nos constrangemos.
Uma terceira moça no ponto
Comentou nosso encanto,
Viu poesia no choque de nossos ossos no sonho.
Constrangemos, sorrimos amigos -
E os cotovelos tão risonhos!


Acordei com o alarme,
Terrível sinal estanque
De cessar a tinta onírica
Que discorre e dita o conto.


(Pois que quem decide a hora
De chegar ônibus em ponto?)


Depois da catraca, 
O rosto marcado de travesseiro.
Pronto. 
Não mais o sonho corriqueiro,
Mas meu eu cotidiano.


- Seria a moça do ponto a dona do guarda-chuva?
No ponto de ônibus chovia,
Mas estávamos tão cobertos...


- Ou seria a moça que em nós notou o choque
A que esqueceu seu caderno de contos num banco deserto?


- Seria eu o dono de tudo? 
Do banco, da chuva, das linhas, do ponto?
Do banco do banco, do guarda, da chuva,
Da folha, do espanto, 
do cotovelo,
do caderno, 
da bailarina, 
desse meu sonho?


A mente mentindo o ocorrido,
Notas frias tateando pistas,
O sonho fugindo do plano:
Paixões de pertencimento de um mero sonho cotidiano...


Agora, corpórea lembrança de um estado,
Eu de pé já me estudo, 
pertenço a um tempo parado.
Meu café roda na xícara -
Meu relógio açucarado.
O pão em minha vida esfria,
Chapado em prato florido.
Lá fora a chuva não desce,
Meu peito anda esquecido,
o coração tão fatigado...


Desejo ao sair de casa,
Depois de sonhar costumeiros 
cenários
comuns 
de minha alma,
Viver sonho por inteiro
Na vida-matéria, na palma,
Na linha, na mão, cotovelo,
no zelo, naquilo que acalma.


Hoje quero viver grande,
Ver dragões em minha cidade.
Já que no meu mero sonho
Vivi tanta realidade.
Não quero moça no ponto,
Banco, caderno, verdade.
Ser São Jorge com sua lança,
Arco íris, liberdade,
Fogo verde, 
Ver sereias
Cantando suas saudades.
Me agarrar na longa pata
Do Elefante de Dali,
Voar daqui para ali
Me escorrendo em seu relógio,
Alado, pro lado, pra lá de mim.
Alah, Bizmillah, ir rahmam, ir rahim,
Ir na contramão, sair daqui,
Dirigir, digerir, me ornar, me sorrir
No onírico encontro sem ter ônibus por vir.
Acarinhar o meu leão gigante
Nos prados do meu impossível.
Delirar com o sentido de viver esse instante,
Mudar de fase, de frase, de nível,
Nesse jogo que minha mente
Pela frente se faz crível.


Acordei com outro alarme.
Já me pego atrasado.
A vida me puxa pra fora -
Não posso sonhar acordado.
Esqueço de símbolo agora,
De rima, de sonho alado. 
Meu café já digerido,
O meu pão já mastigado.
Tateando notas frias,
Idas, vindas, pistas: calo.


(- mas o que seria minha vida?
- mas o que seria sonhado?)




Marcelo Asth

Fases

"Saturno devorando a un hijo" - Goya


Tenho luas como fases.

Frases de andar escondido.
Fazes de mim tuas loas.
Loucas luas sem sentido
Rompem o céu de minha história.
E que fase a que passo,
De ser Atlas carregando
Um Saturno tão pesado.
Ou um Sisifo rolando
Minha Terra morro abaixo.
Tenho fases como Saturno,
Sua volta me faz taciturno, 
Em seus bambolês já me encaixo.
Ficam os medos, vão-se os anéis -
Mas dedos, mãos, corpo todo,
Tudo pesa e une verso.
E Saturno devora seus filhos,
Cospe anéis na via láctea.
Tenho luas como Saturno,
sessenta mistérios gravitam graves,
todas elas com suas fases.
Mas não quero compromisso
E aliança com esse estado.
Quero mais ser luas cheias -
Deixo as outras fases de lado.



Asth



Cansado


Cansado...
Posso estar mesmo que ledo,
Pode ser do mesmo lado
Que estar entregue ao lodo,
Que estar estraçalhado -
Tanto faz aqui ser lido.
Quanto mais serei alado!
Escrever me faz escrevido
E me ler, escrivinhado.
Não me importo se ouvido,
Pouco faço se falado.
O que mesmo é sabido
É que eu não morro calado -
Sempre há um estampido,
Mesmo se sinto cansado.
Cansado. Cansado.

Cansado,
Mas me faço refulgente,
Mesmo estando acostumado
De sorrir sem nem ter dente,
Gargalhar sem ter notado
Que levaram-me doente,
Me trouxeram mais curado -
Pois que eu nunca fui descrente
E a fé me fez dourado,
De coroa reluzente
E de halo coroado.

Podem me cansar completo!
Rir de mim, o derrotado!
Me levanto até o teto,
Piso o chão maravilhado.
Sempre sonho e arquiteto
Meu instante aqui traçado.

E mesmo até aqui lido
E mesmo do mesmo lado
Que estar entregue ao lodo,
Ledo entrego o meu corpo
Rindo até de meu estado.
Quero logo estar dormido,
Sempre estando acordado,
No acordo já vencido
De que estou mesmo cansado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Corpo

CORPO



Antes de me ver eu,
quero me ver sangue.
Colher aorta,
vermelha vida espessa,
meu alimento.
Esse pulsar incessante,
antes que um dia pare
o perfeito bombeio.
Segue teu ritmo.

Ver o diafragma nascer
engolindo as mesmas brisas
que correm livres nas cidades -
como no basculante do meu banheiro.
Arrebata-me desde o suspiro
e cresce como ventania enquanto canto agora.
O vento que entra em mim
participa de mim
e sai de mim levando o meu cheiro.

Experienciar gotas e soluçar, soluçar, soluçar,
sem busca de solução.
Corpo-maquinário que verte lágrima
e lacrimejar a emoção que incorpora,
toma o corpo, me chega.
Apenas sentir a urgência de existir:
A dor de cabeça que me lembra da cabeça,
o cuspe que me molha o meu dentro,
pressões de jatos constantes.
Esse corpo é mais que Eu,
meu corpo é muito antes.

Sou o orgasmo que me insiste órgão tocando denso
a sinfonia do sim misterioso que ouvimos ao nascer.
Sou bile, quero o suco,
a organela que vibra,
a transmissão elétrica,
o tonteio de fome
e o dedo da escrita.

Segue teu ritmo.
Meu corpo é um templo de perfeição;
meu Eu, aquele que aprende a orar.