sexta-feira, 31 de maio de 2019

Oxalá acho lá em meu peito
em minha coroa sua pomba repousa
Epababá é todo meu respeito
luz do branco nessa caminhada
Por que o que importa é o acaso.
É o aleatório randômico espontâneo
que baixa do divino desprendimento
e o encontro é só o respeito
é o peito em contato com o peito
o coração fala com os reis

De tanto falar seremos só barulho,
vamos falar no silêncio,
vamos falar no sereno.
Vamos, fale borbulhando!
Ser a água corrediça
ir correndo na firmeza
lavando terra lavando água.
O que importa é o acaso,
é nele que o jogo comanda -
o sinal está ali abençoado.
Poderíamos ser só dança
e máscaras com flores risos e traças
no momento o mundo gira
porque dançamos também?

há algo por dentro de mofo
há algo de fome lá dentro
há de dar de comer ao que urge
gastriticamente falando
bilis sibila azedo chorume
uma cobra vazia à espera do boi velho
a rapina empoleirada e a criança fraquejando
tudo é duelo de energias
nesse mundo nada se cansa
tudo é guerra
nunca cessa, paz é uma canção, mas tudo cansa
batalha e demanda
água calma do poço da cachoeirinha
cada bolha uma inteiração
bebe a água do confronto
do gargalo, confluência
encruzilhada d'água
lambendo o mofo
e toda a sede
de toda a espera vazia

elétrico

estava com tudo em mãos
eu respondi ao tempo
ele me deixou ver
passei tonteios e dores
mas busquei na raiz o viço
luz pulsando em mãos
eu perguntei ao espaço
ele me fez sentir o choque
o cheiro da eletricidade
radioterápica da máscara de tela
pele de cobra
cantando o poente
celebremos o movimento eterno
algo disse em mim
é hora de seguir pra ser
os olhos demoram a abrir
sentidos são flores sem igual
o corpo registra o passeio da alma aqui
tudo filme e nós pensando além
sonhando ser o que se absorve
sem mesmo se abrir pro que será

expectativa

Cuidado com a expectativa:
Se ela quebra, espalha caco,
Quando parte, pó de vidro,
Sangra sonho, corta pé.
Pode vir de qualquer parte,
Vezes vem como má-fé,
Ou talvez vem da inocência
De se crer no que não é,
Alimentar o que não deve,
Reconhecer o que não quer.
Atenção se a mão escapa,
Se escapole mole até,
Cai no chão o que voava,
Nem faz um barulho sequer -
Que uma ilusão estilhaçada
Morre de um jeito qualquer.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

ciclo do ciclo

A iminência da perda.
A corda no teto.
O abismo já vazio.
Relógio parado.
O copo sujo na pia.
O desacostume:
O brilho da estrela que cessa.
O alumbramento.
A esperança.
O desejo pulsante.
Cansados na beira da praia esperando o mar.
Na gaveta a roupa poída.
O lance no tabuleiro.
A carta na mesa.
Aposta é encruzilhada.
O que vale o que valeu?
Por baixo correm pinos e os ases da glória.
Peça por peça nunca fará o todo.
A pior bagagem será feita de memória.
Voltemos às mortes que nos zeram.
Cantamos convalecidos,
Morrendo nos agarrando.
Confusos aprendemos o novo
E nunca o velho se suporta.
Que o elástico rompe.
Que o ferro se quebra.
Que a flor despetala.
Que o fruto fenece.
Que a dor também morre
assim como o riso.
Ciclo do ciclo:
Redemoinho.
Só nos resta o encontro
De outro caminho.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

sereno

Eu penso que esse mundo acabou
assim que eu posso recomeçar
e cada vez que vejo o sol brilhando
sei que a lua velará também meu sono

e cada vez que os pés marcarem a terra
eu sentirei o mundo velho ali
sob mim
que todo o peso de antes já não pulsa
e arde em mim tudo o que reina no justo
e canta em nós somente o sereno

eu penso que acima há só o céu
também está o que já há de vir
e todo o devir transcendental
como tudo está leve, livre flutua como nós
dançando para sempre tempos antes e após
brotando com a força que chegou
só penso nunca ter estado aqui

eu penso que esse dia já se deu
em nós a nostalgia de um futuro promissor
passados são ideias enganosas
queremos sempre dar o passo do início
viver do pão da coragem e da ousadia
olhar no outro os olhos de um santo
que já se renasceu morrendo bento

pois sei, não há mal nenhum mirar estrelas
pois sei que esse mundo já acabou
eu penso e aqui se manifesta
assim que eu posso recomeçar

Buraco




Um bom buraco de terra
Que abraça como coberta,
Que enche de argila
e esculpe bom sono
e desculpe qualquer coisa além da superfície.
Come o banquete das imundícies,
Entranhe raízes pra sugar vida.
Cavado escuro lar das minhocas,
Que se aprenda a arejar com elas.
Meio à cascalho, nutre duro e solve,
Se desfaz para a quietude refazer todo o mundo.