quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Morte da Esperança


A esperança era verde, 
Tinha antenas,
Primorosa.

Eu sentado no sofá
Diante da epifania:
- Folha viva!
- A última que morre!
- Um sinal, quiçá um presságio...
-"Dança na corda bamba de sombrinha"!
...
Risos, frases, olhares e interjeições.
Perdi o meu tempo, ludibriado
Por aquela que ali estava -
Mas a nós nunca chegava.
...
Um século sentado no sofá
No feitiço da esperança
No replay da eterna dança
Na corda bamba, indo e vindo.
Incomodou-me assim os olhos,
A bunda, o cérebro,
Me faltou posição,
Faltou espuma no sofá -
Tudo ali me cutucava:
Nada mais fazia sentido.
.
Dando um fim nesse conflito
Passei a mão em minhas chinelas
Esmaguei no chão, num grito,
A ilusão que eu abraçava.
Mas nunca que ela morria,
Protelava pro amanhã -
Pois tudo com a esperança
Não é trato do imediato,
Nem dá pra morrer no ato.
Vai esperando a esperança...
- Não espero, dá que eu mato!
E de fato, morreu mansa...
;
(Na verdade, a esperança
É preguiça disfarçada,
De esperar sempre que o outro
Lhe dê certa a chinelada.)
!
E agora, de asa quebrada,
Quedou-se da corda bamba
Destemperada, despedaçada,
A esperança desesperada.
Em mim ela ficou esmagada,
Borrão verde com antenas,
Nunca mais tão primorosa.
Sua hora era chegada.
/
E nem ecoou em mim,
Precisei do mundo afora,
Meditar, ver tudo à frente,
Ser mais fauna, ser mais flora,
Ver o verde de verdade,
Ver o aqui e ver o agora.
:
Decidir que o tempo é hoje
E acordar com a confiança -
Que essa não se mascara,
Quer trabalho e não se cansa
De fiar junto com o outro,
Sem estar preso e sem fiança,
Provando no vento a corda
No acordo que, mesmo bamba,
Seja risco, seja riso, seja siso e seja samba.
*

P.S.: e se é ela a última que morre,
Já dei graças, morri antes!
Como é bom trocar a casca,
Ganhar asas e ir adiante!



Geremias da Torre

Alarme



Acabo de ter um sonho
Meramente cotidiano.
Nele, encontrei um guarda-chuva e um caderno
Perdidos num banco de um banco.
Busquei a dona e não encontrei.



No ponto de ônibus me espreguicei.
Em outro movimento, 
uma moça estendeu seu corpo -
Dois bailarinos de sonho esticando 
Seus dois corpos de energia.
Dois corpos, um brinde,
Festim tin indo no rastro do encontro.
Líquidos virtuais vidros
Tímidos trocando átomos.


Assim, de repente, tocamos
As pontas dos cotovelos.
Nos olhamos, 
conhecemos, 
nos constrangemos.
Uma terceira moça no ponto
Comentou nosso encanto,
Viu poesia no choque de nossos ossos no sonho.
Constrangemos, sorrimos amigos -
E os cotovelos tão risonhos!


Acordei com o alarme,
Terrível sinal estanque
De cessar a tinta onírica
Que discorre e dita o conto.


(Pois que quem decide a hora
De chegar ônibus em ponto?)


Depois da catraca, 
O rosto marcado de travesseiro.
Pronto. 
Não mais o sonho corriqueiro,
Mas meu eu cotidiano.


- Seria a moça do ponto a dona do guarda-chuva?
No ponto de ônibus chovia,
Mas estávamos tão cobertos...


- Ou seria a moça que em nós notou o choque
A que esqueceu seu caderno de contos num banco deserto?


- Seria eu o dono de tudo? 
Do banco, da chuva, das linhas, do ponto?
Do banco do banco, do guarda, da chuva,
Da folha, do espanto, 
do cotovelo,
do caderno, 
da bailarina, 
desse meu sonho?


A mente mentindo o ocorrido,
Notas frias tateando pistas,
O sonho fugindo do plano:
Paixões de pertencimento de um mero sonho cotidiano...


Agora, corpórea lembrança de um estado,
Eu de pé já me estudo, 
pertenço a um tempo parado.
Meu café roda na xícara -
Meu relógio açucarado.
O pão em minha vida esfria,
Chapado em prato florido.
Lá fora a chuva não desce,
Meu peito anda esquecido,
o coração tão fatigado...


Desejo ao sair de casa,
Depois de sonhar costumeiros 
cenários
comuns 
de minha alma,
Viver sonho por inteiro
Na vida-matéria, na palma,
Na linha, na mão, cotovelo,
no zelo, naquilo que acalma.


Hoje quero viver grande,
Ver dragões em minha cidade.
Já que no meu mero sonho
Vivi tanta realidade.
Não quero moça no ponto,
Banco, caderno, verdade.
Ser São Jorge com sua lança,
Arco íris, liberdade,
Fogo verde, 
Ver sereias
Cantando suas saudades.
Me agarrar na longa pata
Do Elefante de Dali,
Voar daqui para ali
Me escorrendo em seu relógio,
Alado, pro lado, pra lá de mim.
Alah, Bizmillah, ir rahmam, ir rahim,
Ir na contramão, sair daqui,
Dirigir, digerir, me ornar, me sorrir
No onírico encontro sem ter ônibus por vir.
Acarinhar o meu leão gigante
Nos prados do meu impossível.
Delirar com o sentido de viver esse instante,
Mudar de fase, de frase, de nível,
Nesse jogo que minha mente
Pela frente se faz crível.


Acordei com outro alarme.
Já me pego atrasado.
A vida me puxa pra fora -
Não posso sonhar acordado.
Esqueço de símbolo agora,
De rima, de sonho alado. 
Meu café já digerido,
O meu pão já mastigado.
Tateando notas frias,
Idas, vindas, pistas: calo.


(- mas o que seria minha vida?
- mas o que seria sonhado?)




Marcelo Asth

Fases

"Saturno devorando a un hijo" - Goya


Tenho luas como fases.

Frases de andar escondido.
Fazes de mim tuas loas.
Loucas luas sem sentido
Rompem o céu de minha história.
E que fase a que passo,
De ser Atlas carregando
Um Saturno tão pesado.
Ou um Sisifo rolando
Minha Terra morro abaixo.
Tenho fases como Saturno,
Sua volta me faz taciturno, 
Em seus bambolês já me encaixo.
Ficam os medos, vão-se os anéis -
Mas dedos, mãos, corpo todo,
Tudo pesa e une verso.
E Saturno devora seus filhos,
Cospe anéis na via láctea.
Tenho luas como Saturno,
sessenta mistérios gravitam graves,
todas elas com suas fases.
Mas não quero compromisso
E aliança com esse estado.
Quero mais ser luas cheias -
Deixo as outras fases de lado.



Asth



Cansado


Cansado...
Posso estar mesmo que ledo,
Pode ser do mesmo lado
Que estar entregue ao lodo,
Que estar estraçalhado -
Tanto faz aqui ser lido.
Quanto mais serei alado!
Escrever me faz escrevido
E me ler, escrivinhado.
Não me importo se ouvido,
Pouco faço se falado.
O que mesmo é sabido
É que eu não morro calado -
Sempre há um estampido,
Mesmo se sinto cansado.
Cansado. Cansado.

Cansado,
Mas me faço refulgente,
Mesmo estando acostumado
De sorrir sem nem ter dente,
Gargalhar sem ter notado
Que levaram-me doente,
Me trouxeram mais curado -
Pois que eu nunca fui descrente
E a fé me fez dourado,
De coroa reluzente
E de halo coroado.

Podem me cansar completo!
Rir de mim, o derrotado!
Me levanto até o teto,
Piso o chão maravilhado.
Sempre sonho e arquiteto
Meu instante aqui traçado.

E mesmo até aqui lido
E mesmo do mesmo lado
Que estar entregue ao lodo,
Ledo entrego o meu corpo
Rindo até de meu estado.
Quero logo estar dormido,
Sempre estando acordado,
No acordo já vencido
De que estou mesmo cansado.