quinta-feira, 27 de abril de 2017

DEUS

imagem de Alex Grey


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Se o Homem criou Deus à sua semelhança,
O problema está na forma, no nome, na ideia de homem.
Deus não se compreende, mas se tateia.
Se Deus se chamasse A Grande Teia,
Se nos desse um mapa para se chegar,
Ainda seria o Deus da Mente Humana.
Deus escapa do que próprio criou.
Nem Deus criou, porque não sabemos se tudo sempre já foi criado.
E quem cria somos nós, habitantes dessa Terra.
E por semelhante processo,
Colocamos Deus na imagem esculpindo no barro.
Deus não é Ele, nem Ela, nem Tu, oh, Grande Espírito.
Deus não é espírito, nem rito.
Deus nem é Deus. 
Nem vocês e nem eus.
Deus é mais, mais ou menos.
Deus é o alcance do homem,
Do que ele não pode alcançar.
Porque Deus é uma ideia,
Que não usa barba, te olha ou ouve o que você diz.
Olho e ouvido são a matéria querendo entender tudo.
Deus (porque aceito a palavra, mas não o limite idealizado)
Capta a frequência de cada pulsão nossa
E toda palavra ainda diz Deus como o que posso pegar.


Talvez more na paz, no amor absoluto...
Não só! Ideia do homem!
Deus mora no caos, nos maus, na morte, no tiro, no sangue, no corte,
E mora na flor, no riso, no bebê que baba o leite morno.
Deus é o todo, porque não há lodo sem lótus a espetar a superfície em breve. 
Deus está na sua certeza e na sua confusão,
Está mesmo em cada véu que cobre seu próprio desvelar em luz.
Deus está no inferno e no paraíso diário.
Não-Só existe bem e mau, tudo faz parte,
Arte de processo de depuração para a alquimia dos Tempos.
Tudo é ciclo, reciclo, eclodindo, indo, voltando.
E mentais, seremos homens amando a ideia de Deus
E a sua presença incodificável de tudo ser.
Um dianoite explodimos tudo,
Com as bênçãos de Deus
Para beber do vinho puro e sagrado 
De nosso resultado alquímico terreno.
E inebriados do sacro éter,
Havemos de Ser Toda Matéria sumindo do Espaço
Entre nós, fios, e Deus.
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AMADEUS
MARCELO ASTH

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Colunatas



Soluço meu desencanto
desacelerando a máquina viciada dos dias
e recobro o viço perante às esperas.
As colunatas estão em riste
apontando um céu promissor de estrelas ainda desconfiguradas.
Não é ruína a construção que se balança –
Pois que foi só um vento forte com vozes de um avantesma
desenterrando as raízes de um dia.
Igrejas pegaram fogo nessa noite insensata,
os lobos uivaram socorro, mas ali ninguém mais via.



Quando a sagrada imagem calada despencou do altar
a alertar que gesso e forma também se assemelham à farinha,
Nossa Senhora não se chorou.
(Quatro é a matéria; três o indizível;
dois é complemento; um é o segredo)
E o mesmo vento que veio de castigo atiçando o fogo das velas,
profundo sopra os cacos e palhas e cinzas que já se perdem na planície vasta.
Agora durmo, secretamente sorrindo essa glória.

As flores mortas deste altar já foram eu nessas campinas,
mas tudo morre - isso é ilusão.
O que perece recebe o inédito formato.
Depois de tanto sangue, vazio me encho de espírito,
distante de tudo a lembrar das charnecas ensolaradas,
outra estação.
O sonho me diz seus braços afundados no pântano,
mirando passados que não se ativeram ao seu controle.
Sorrio. Nada mais posso.

Subi aos céus depois de temer infernos frios
escorregando as pernas com a lama que ainda me gruda
por eu querer me resgatar.
Abriga no caminho da ascendente colunata o meu aceno louco ao Todo
E premedito a esperança do topo assoviando como menino.
Bebo meu medo no cálice de minha concha
E durmo mais dez mil anos pensando em mim.
"Coragem" - soçobram do olvido...
Em mim tudo é Verbo -
então, penso em Deus.
Aceito a mão se me busca, careço o zelo,
E é sempre estranho o brilho da primavera depois do inverno e de tanto gelo.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Boi



Corta essa língua de trapo,
Língua de boi, 
Carne de farrapo.
Teu miolo é o boi,
O interior cortando a língua
Pra poder escutar a dança
Que dentro de si abrasa.
Se boi bumba, saudade balança,
A lua se esconde num véu de fumaça.
Pajelança.

Oi, boi, se enfeita pra cantar a morte
Pra berrar o divino
E o mal desses homens.
Espelho, paetê, fitilho,
Com mais o derradeiro brilho
Do boi que é sacrificado.

Mas o boi cheira a fumaça
E sente que a morte passa,
Que é bonito, é bonito se morrer.
E dança na roda da praça,
Calor, tambor e cachaça
Pra cantar que aqui vem renascer:

Lá vem, lá vem, já veio,
O boi lá do Cruzeiro,
Faiscando sóis do astral, 
Bumba boi, boi feiticeiro!

domingo, 2 de abril de 2017

ondas




onda no mar trabalha a energia do mundo,
cada solapo de massa de água e sal,
revolve areia e toca o estrondo de sua natureza.
tanto bicho escamoso de olho espantado,
tanto frio, tantas cores, tanto azul, muita pressão do abraço,
é o lar de minha mãe que me pegou no colo com amor.
onda do mar é minha mente vibrando
em meio a tantas ondas se debatendo em forças.
Eu sou a onda que morre-vive um só plano,
infinitas configurações e demandas pra cumprir lavando.
Somos as ondas mentais dessa Terra 
e Mãe Yemanjá é guardiã do planeta.

três palmas



Quando na vida for passear nos becos esquisitos,
Vira a esquina, mira a onda, 
sente a rua belicosa no escuro da latrina.
As lâmpadas se quebraram se roendo,
Decibéis débeis voam morcegos nas poucas árvores sombrias, 
Risadas, navalhas, caveiras se rindo...
Lá lá lároiê iê iê - a música eterna rodando vinil.
O frio que corta o osso em faca
Testa a vida e lhe mostra
Que você deu a mão ao companheiro certo.
Duvidoso, mas certo. 
Invisível. Certeiro. 
Mesmo malemole,
Envolto na fumaça, faça, faça, faz.
Bate três palmas.
Qual incursão, uma excursão ao fundo do planeta.
Foram, me levaram fundo pra rir de mim no escândalo do poente,
A vida rodou em luscofusco, 
fuscas pelando lava me atropelando em valas, 
muitas, muitas vaias: "que caias da corda bamba!" 
Os meio-fios fazem um inteiro só.
Rodar nas ruas tão tomadas de avantesmas.
Mesmas caretas, de quando o coração quebra,
Patinam no gelo os ébrios pés no caminho balanceando,
Ditando o passo que ando, que caio e levanto.