sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Noite

Boa noite,
são meia noite,
noite cheia!
Lá fora as crianças passam aos urros,
sons de explosões,
ancestrais berros.
São seres novos mamando da noite.
Jogam bola, fingem brigas,
Correm aos montes.
Ventos na praça escura,
Deixando folhas por onde traçam.
Nem lua,
Nem estrela,
Meia névoa,
tudo verão
Mais tarde,
Silêncio no cerrar de olhos.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Repleto




Reflito que estou repleto
Completo sem estar aflito
Com grito que em mim me repito
Apito que estou afeto
Perplexo de estar reflexo
Com nexo de estar complexo
Sendo leve no agito
Sendo ósculo e amplexo
Anexo divino que habito

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Bicho

Eu e minhas asas de grilo.
Bicho esquisito,
Bicho-folha,
Bicho-pau;
Bicho vendo as nuvens no matagal
Estendendo-se selva,
Entendendo-se seiva,
Transformando à mando
Da mão do deus amando aos seus.

Mistura e mistério de tudo
Feito da floresta, o resto
Composto do rosto do Todo.
Incesto, filho divino
Isento de escolha.
Inseto na encolha
Colhendo para a colônia
Alimento de oferenda.

Rendam-se então à insônia,
Notívagos bichos de mim!
Não durmam que a vida é curta,
Explorem sereno e brisa!
Ovo-larva-pupa-palavra,
Velocidade da luz, criação.
Metamorfoseando meta
Me toma em mitose no ciclo,
Reproduzindo indo indo,
Sendo reza natural 
Da natureza
Se permitindo:

Ornada cabeça de lírio,
Luzi neón pirilampo.
Matiz carapaça de besouro.
Mandíbula de saúva-soldado.
Paladar de carnaúba.
Perfume de percevejo.
Olho verde de mosquito.
Língua de zunideira vespa.
Barata, serrada a antena.
Pinça-isca escorpião.
Robusta casca andiroba.
Pêlo de aranha crespa.

Rei-rainha eusocial
Com a bunda cheia de ovos
A rebolar fecunda
De filhos novos
De vida -
E devidamente espalhadas
As mil cascas eclodidas.

Voo, voadeiro vou,
Tanto bicho no meu lumiar...
Me arrasto,
Catapulto impulso,
Bato no vidro.
Escorro, caio de amor,
Suspiro.

Canta pra noite,
Grilado,
Meu lado grilo.
Gris gris gris...
Canta três vezes no escuro
Pra ser feliz.

Olham tudo com espanto
Meus mil olhos de mosquito -
Caleidoscópio facetado
Tonto e um tanto esquisito -
Meus bichos fragmentando
Montando meus corpos de rito.

(Eus eternos explorando
As formas de vida num grito)





domingo, 9 de novembro de 2014

Invisível

INVÍSIVEL

O invisível se pôs a cantar
E a lua, porosa, se fez companhia,
Sugando as nuvens esparsas
Que acendiam altaneiras.
Tanta voz no silêncio,
Tanta vontade no olhar...
A noite adormece tonta de meu sono
E a rua vai guardando o que deixo escapar.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Golpe

GOLPE


Caía o viaduto como tarde,
Era tarde e tudo escurecia.
Os cães soltaram-se
E tinham fome,
Num galope cheio de dentes
Numa rua já vazia.
Como o pior dos golpes,
Como gases sorrateiros,
Tristes trevas debruçaram
Nas estrelas da bandeira.
Torpe golpe traiçoeiro
Das medidas do poder,
Que o controle que se exerce
Sobre qualquer ser que seja,
Só instaura leis de medo
Nos silêncios, gotas frias -
Que pingam na testa fraca
Da estátua da Justiça.
Exílio de todo o riso
na terra silenciosa,
Onde a canção que se canta
Grita muda e poderosa
Pra cobiça dos poderes,
Palavras, forças amadas
Militando em verdade.

Triste golpe limitar
A palavra liberdade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Se me

Se me pinto, minto.
Se me monto, ponto.
Se me sinto, sento.
Se me santo, manto.
Se menino, tino.
Se me mino, acanho.
Se me mimo, animo.
Se me nino, sonho.




Segredo

Segredo



O simples complexo saber:
Olhar para si sendo o outro,
Viver o outro e ser mais si.
Priscas ancestralidades pesam
Acenando da roda de Sansara.
O mundo dói, rói, ama,
acaba, cura, sara.
Não para.
O maracá das divinas vibrações
Gira constelações na surpresa da vida.
- Tudo vibra, tudo vibra, tudo vibra...
Tudo víbora curando e mordendo
Sempre com a força do mesmo veneno!
Tudo junto, eu esmo, eu mesmo,
Na ética pura da hermética Lei.
Dizer sim nos tempos do não
E aceitar a firmeza amorosa
Que apazigua o coração,
Num coletivo sistólico-diastólico
Em doação e recepção
Estando um,
Crendo num,
Sendo om –
O som do sim da sina.
Simbiose, metamorfose, mitose,
Multiplicação da sagrada disciplina:
Olhar pro outro sendo outro,
Realizando um fantástico degredo!
Olhar pra si sendo si,
Sem abismo, sem medo... sempre cedo –
Um torto caminho de eras
Contido num simples segredo.


Vô Cosmos




Caminho

caminho


Cereja do jeito que flor
Vou até o sim do Caminho
E onde eu este ver
Sigo sempre em mente
E nunca olho pra três.
E dependente de tudo
Vou cutucar a bonança para que curta
De cabeça alerta,
Com oração batendo forte no jeito,
Estando livro pra voar -
Leve estante de eterna idade.

Hildebrando Soares





Uni verso

UNI VERSO

Miríade espacial,
Fogosa lâmina negra.
Calores, colares, colagens, 
Cocares de cardos de estrelas...
Pontos de pontas que apontam
Rastros de astros, planetas.
Átomos, átimos, ritmos,
Algoritmos cometas,
Pasmos, espasmos, marasmos,
Mar cósmico de ondas pretas.
Universo, imerso verso,
Alfa, beta, gama de letras,
Prescrita escrita infinita
De espirais e piruetas.
Sois sóis pulsando a sós 
Fluxo de fótons,
Luzes-canetas.


Marcelo Asth


Para um poema triste

Para um Poema Triste


Um poema destinado a ser triste
Tem que ter um oh!
Tem que ter um ah!
Tem que ter um algo
Que a palavra não permite.
Tem que ter a prece
Ocultada que persiste
Numa rima que apresse
O que o verso não insiste.
Um poema dito de melancolia
Tem que ter início
De um fim de poesia,
Sendo fictício
No real da fantasia.
Tem que ter um oh!
Tem que ter um ah!
Tem que ter suspiro
Para além de uma grafia.




Marcelo Asth

Mar no Olvido

MAR NO OLVIDO



MEU OUVIDO ESPIRAL OUVIU.
COM O MAR NO OLVIDO:
MAR, CÉU, ELO -
EU NO INTERIOR DAS CONCHAS
ACONCHEGADO.
CHEGADO DE MAR, IMPULSO,
MARACÁ NA MÃO CANTANDO, 
EM PULSO CHOCALHANDO O MUNDO.

PASSO, IMPRESSÃO DE AREIA,
GRÃO, SAL, LENTIDÃO, SEREIA.
E POR LÁ IA O TEMPO
QUE TEM PÓ DE MARESIA.

A PRAIA, UM TEMPLO.
DEBANDA A ESPUMA JAZENDO EM RENDA...
POR ESSAS BANDAS
UM BANDO SE OFERENDA.

E NÃO TEM PEITO QUE NÃO INUNDE,
NEM CORAÇÃO QUE NÃO ENTENDA:
QUANTO MAIS ONDA EU OUÇO,
MAIS EU BALOUÇO,
MENOS ME AFOGO.
LOGO,
QUANTO MAIS MAR EU VEJO,
MENOS MAREJO,
MAIS EU MARUJO.
FUJO.

Música da Gente

MÚSICA DA GENTE


Devemos cantar estrelas e
Encharcar de tempestade,
Rindo todo o sol poente
Que desaba na cidade.

Chegamos com toda a sorte,
Com viço de potestade,
Cheios de epifania, utopia
E vontade.

No entanto, procuramos
Decifrar os nossos sonhos,
Desanuviando os olhos
Pra rever nossa Verdade.

Perseguimos o futuro
Carregando uma saudade,
Sem âncoras e sem amarras,
Com amor em quantidade
Pra semear qualquer peito
Fértil de felicidade.

Sem bandeiras ou um lema
Vivemos nosso poema
Mutante, candente!
Sente!
Abrimos nosso presente
Repartido como versos.
Quem quiser mil universos
Siga a música da gente!

Devemos cantar estrelas e
Encharcar de tempestade
Rindo todo o poente
Que desaba na cidade.

Iremos até à morte,
No ciclo das muitas vidas,
Sem dúvida cheios de dádiva,
Seguindo sem fazer dívida,
Se indo, sendo e amando
À mando da mão divina,
Colhendo nossas escolhas
Nas escolas dessa vida.

E vamos com toda a sorte,
Com viço de potestade,
Cheios de epifania, utopia
E vontade!



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Silhueta

SILHUETA

Hoje a noite é bonita
E maior que de dentro de mim.
Meu olhar se acostuma ao negro
E longe vejo a noite deitar a montanha.
Não só silhueta:
Nuanças, uma terra toda debruçada.
Quanto mais foco no alto,
Mais profundamente enxergo,
Olhar no túnel que veste opacas nebulosas.
Sem utilizar os números,
Talvez eu conte nu as estrelas.
Se continuo a olhar no escuro
Será quão claro eu vejo?
E quanto mais vou seguindo,
Mais preciso me reencontrar.

Marcelo Asth

Mão à pata

MÃO À PATA
 
Não matar um leão por dia:
domá-lo sem chicotes,
sem provocação do medo
no arremedo do poder.
 
Encará-lo e ver lindos seus dentes,
sentir seu bafo de fera,
seu sangue de raça
e sua alma de terra.
 
Ver Deus acenando em sua goela -
prova viva do respeito mútuo.
Tocar sua juba deserta, seca, vistosa,
acariciá-lo com mãos de uma árvore dura.
Fazer dos olhos um espelho
e mostrar seu dentro -
que lá há um leão também brincando savanas,
há bestas sonolentas e outras panteras
roendo a carne do seu pensamento vivo.
 
Deitar ao seu lado
dando mão à pata
narinas ao focinho,
reconhecendo,
se apresentando à força
no brilho
ponderável
da presença.
 
Forte selvageria atávica,
virar bicho,
virar sereno,
veneno,
mato,
flor,
trigo.
 
Não matar um leão por dia, nunca.
Amá-lo na rigidez dum rugido.
 
 
Marcelo Asth

Divino Feminino

arte de Luis Tamani -



A primeira porta de saída
Porta de entrada pro desconhecido

De todo ano velho que eu parto
Parto pro novo gerado e gerido

A vida se anuncia de possíveis
Abra seus mil olhos pro que é merecido

Toda mulher guarda um mistério crível
De reproduzir um mundo desmedido

A mulher é verbo e adjetivo
Plural Substantivo feminino

Aja linda ainda que pareça finda
A esperança, que sempre ilumina

Seja menina ou menino
Brota no feminino
O recomeço, o passo, o aço
O laço, o traço que se firmará

Realizando o destino
Brilha no ser divino
Dia após dia, cria, ria,
Fantasia a se renovar 

A Primeira casa
A Primeira asa
Uma mulher

Nananananã
Nananananã
Uma mulher
.


.
Marcelo Asth
Arte de Luis Tamani

Radiou

RADIOU

O mistério é cristalino,
Basta apenas enxergar.
O mistério é cristalino,
Basta apenas enxergar.
Mas pra isso é bom abrir
Não só olhos, mas bem mais.

Radiou uma Paz,
Radiou uma Paz
Pelos olhos do Amanhã,
Pelas bocas lá do Atrás.

Radiou uma Paz,
Radiou, irradiou,
Radiou, radiou
No presente dessa Paz.



Príncipe Orclã

Fogo

FOGO


Bruxuléia a chama no toco,
 O fogo na dança serena.
Queima e crepita a matéria,
Madeira estalando se agita.
Basta um olhar no que queima,
Consome o mal que te espreita,
Chama pra terra o oblíquo,
Sobe a fumaça que eleva.
Leva o viço da seiva,
Lambe a casca da selva.

Enquanto se baila a chama,
O mundo balança em espera.


Príncipe Orclã

Lei

LEI

Amar é lei.
Amarelei.


Cristinna Palhoça

Gás

GÁS

Eu estou triste 
como a música 
do caminhão de gás
Que vai fundo 
Nas entranhas
E em ruelas -
Roendo o dia
No mistério
Auto falante
Lá de trás,
Do outro tempo
Em que despenca
A poesia.

León Bloba

Riacho

RIACHO

Acho que o riacho ri
Na perda entre as pedras,
No canto entre cantos,
No leito em que dorme,
Correndo, escorrendo.

Acho que o riacho ri.
Sim, ri.
Acho que ri de mim,
Mas ri baixo.

Acho que o riacho ri.
É o borbulhar das águas
Que ri das minhas mágoas.

Mal sabe o riacho que nasceu de minhas lágrimas.

Marcelo Asth
(2005)