terça-feira, 31 de janeiro de 2017

BAHIA

Bahia,
seu retrato se fecha
na melancolia
escorrida nos prédios -
camadas -,
na luz da ilha ao longe
tão longa e derramada,
neste barco que se estira
na água escura
depois do pôr-do-sol.
Bahia,
seu retrato no foco
é um berço de estrelas frias,
romântico espaço aberto
como um abraço
de recanto,
multidão e deserto
cabendo no sorriso ardente
de um coqueiro.




31 de janeiro de 2012
Marcelo Asth

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Ficha

Andei por ruas que nunca vi
e nada ao redor fez sentido.
Cadeiras, portas, ruas, janelões,
gente pisando pedras padronizadas.
Pessoas com bocas, laringes, narizes, histórias,
dedos, falanges buscando movimentos.
Tudo exigindo, existindo, resistindo, rindo de mim.
Tudo me olhava, tudo me via,
por toda via, toda a vida das dúvidas,
por toda torta calçada que eu ia..
Deslizei meus olhos pelo nada,
vi pombas, sinaleiros, bares e luzes,
densos homens marchando 
sem saber pra onde o mundo escorre.
Cada ser em eterno féretro.
De tudo o que vi, tudo sabia o nome.
O nome que deram antes de mim.
Mas de tudo o que vi,
nada entendi.
Desavisado do mundo,
caindo a ficha do espanto.
Avistei o céu com uma cor escolhida por outro
e não entendi como os prédios subiram tão alto.
Não codifiquei árvore, grama, inseto,
chão-teto: paredes por quê?
Não sosseguei por saber que ali desde cedo
a profusão de anseios já se dava por estabelecida.
Não saberia dizer como tudo se deu tão rápido,
de como as tormentas, o medo e o sossego
já estavam rondando por aí, 
sem solicitar licença,
sem prenunciar presença.
Tudo antes, ante a mim.
Senti o sol e não compreendi como pôde acontecer.
Olhei minha pele e ela nada me disse -
suou sem muito escândalo.
Sem frenesi, sem frestas, sem fenestras,
sem marquises, sem buracos pra me esconder daquilo,
tudo exposto, servido sem solução.
De todo som que me roeu frenético,
não revelei mistério algum desse presente pressentido,
dessas frequências sinistras que ecoavam ondas mistas.
Desenhos raivosos ou parcimoniosos percorreram minhas vielas,
energias bateram à minha porta
e só pude achar que nem tinha trancas.
Por baixo de mim, galerias correndo esgoto
e cada umbigo por dentro processando.
Cada mente pulsando o que não identifico.
Não fez sentido o que senti do todo
e o cansaço desse lodo foi o que pude decifrar ao certo.
Tudo errado: nada entendi.
O entorno de mim não cabia aqui dentro
e por dentro, nem mesmo eu sabia como fui parar aqui.


Marcelo Asth