terça-feira, 28 de novembro de 2017



Ao morrer de meu corpo -
Corpo da terra, bem do divino -,
O vestirão para a despedida já cumprida.
Me calçarão bons sapatos para os pés terem lembrança de que por aqui andaram. 
Cruzarão minhas antigas mãos postas sobre um peito parado,
Deitarão meus restos rígidos
Em um cômodo apertado,
De fina camada de falsa seda e conforto,
Para que tenham a impressão de que eu vou bem.
Ali cerrarão os ouvidos e narinas com cera e cola
Para que o corpo não se extravase por estar livre,
À vontade e contraído.
Me maquiarão remetendo à estreia,
Como se fosse estrela.
Mas como fosse estrume
Me cobrirão de flores perfumadas e também mortas,
Ceifadas no campo como ali a minha imagem
- olores disfarçando olores,
As cores disfarçando as dores.
Quando cansarem os que beijam a testa fria da casca,
Tamparão a insólita nave-lixo.
Alguém próximo em discurso prolixo,
Outros rindo-chorando-lembrando mas sós,
Derretendo velas velando,
Cultuando como ritual museu o resultado de minha obra,
Encapsulando o invólucro, reverso à borboleta,
Dando o presente passado oferenda de futuro,
Indo rumo ao espaço das terras longínquas,
Abrindo os portais nos sete palmos depois daqui, na magia,
Abrindo os olhos que estavam quietos.
Calmamente.
Me comerá com amor a natureza agindo
Fruindo cada memória que escondi nas células,
Bebendo cada existência contida na gota de sangue em ferrugem.
Recriando o universo, serei Big-Bang de moléculas ultravivas,
explodindo, espargindo, regendo, compondo, 

divinizando bem mais de dez mil mundos.

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