quarta-feira, 22 de abril de 2015

PÓS

PÓS



Após banquetes imperiais,
em grandes salões com festanças,
em almoços semanais,
restaurantes sem balanças,
empregados, escravos ou serviçais,
depois do encher das panças;
sabão, água, bucha por trás
de toda gula de comilanças.

Tantas e tantas mulheres,
 no aniversário dos filhinhos,
lavam o chão e os talheres -
do tapete tiram os docinhos.
Louças, garfos e colheres
na esponja deslizam aos carinhos...

Depois das áreas de lazer
há sempre áreas de serviço,
sempre depois do prazer,
quem que manda e o submisso,
responsável do afazer,
em mansões ou no cortiço,
alguém que está pra fazer
o que o sempre está omisso.
Trabalhador do dever
ou escravo do compromisso.

Entra século, sai século,
entre anos, entre os panos
que se caem sobre os atos,
sempre há alguém nas cozinhas
com bicas e panos de pratos
a lidar com o pós das festas,
limpando os pós dos fatos.


Marcelo Asth

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Silêncio

Havia-me chegado o silêncio
Em carruagens de cavalos dóceis
- uma pausa no ruído do tempo.

Embora me fosse um alento,
Surdo era ao relinchar dos fósseis
Que há eras me sinalizavam
A brandura do aquietamento.

Passavam por minha porta galopes
revirando o pó da estrada...
Mas eram nuvens de barro o que eu via,
E nada mais via, mais nada, mais nada...

Cansado do dia após dia,
Rebelde animal selvagem,
Dispus certo a aquietar-me
Dentro de meu coração, estalagem.
Retirei todo o pó do ouvido
E me pus atento à passagem,
Certo de que algo do olvido
Viria trazer-me a mensagem.

Na hora exata, posto ao meu portão,
Os cavalos me passaram mudos,
Ao passo que compassava o coração 
Pulsante no trote dos cascos,
Ditando o ritmo, a luz, o cheiro,
E mais que tudo isso:
Vi a imagem de meu cocheiro.

Era Eu desse tílburi o guia,
Nas mãos, as rédeas envoltas
A controlar-me em alegria
Em livres risadas soltas.
Quando parada a carruagem,
Podendo ouvir-me tão pleno,
Recebi de mim o convite 
E ingressei com o peito ameno.

Havia-me o silêncio chegado 
Em carruagem de dóceis cavalos...
Um ruído na pausa do tempo,
Atento ao momento esperado.

Mesmo não claro o destino,
Para onde me sigo indo,
Apenas escuto meus trotes
Ecoando a canção do divino.