quarta-feira, 1 de junho de 2016

Alarme



Acabo de ter um sonho
Meramente cotidiano.
Nele, encontrei um guarda-chuva e um caderno
Perdidos num banco de um banco.
Busquei a dona e não encontrei.



No ponto de ônibus me espreguicei.
Em outro movimento, 
uma moça estendeu seu corpo -
Dois bailarinos de sonho esticando 
Seus dois corpos de energia.
Dois corpos, um brinde,
Festim tin indo no rastro do encontro.
Líquidos virtuais vidros
Tímidos trocando átomos.


Assim, de repente, tocamos
As pontas dos cotovelos.
Nos olhamos, 
conhecemos, 
nos constrangemos.
Uma terceira moça no ponto
Comentou nosso encanto,
Viu poesia no choque de nossos ossos no sonho.
Constrangemos, sorrimos amigos -
E os cotovelos tão risonhos!


Acordei com o alarme,
Terrível sinal estanque
De cessar a tinta onírica
Que discorre e dita o conto.


(Pois que quem decide a hora
De chegar ônibus em ponto?)


Depois da catraca, 
O rosto marcado de travesseiro.
Pronto. 
Não mais o sonho corriqueiro,
Mas meu eu cotidiano.


- Seria a moça do ponto a dona do guarda-chuva?
No ponto de ônibus chovia,
Mas estávamos tão cobertos...


- Ou seria a moça que em nós notou o choque
A que esqueceu seu caderno de contos num banco deserto?


- Seria eu o dono de tudo? 
Do banco, da chuva, das linhas, do ponto?
Do banco do banco, do guarda, da chuva,
Da folha, do espanto, 
do cotovelo,
do caderno, 
da bailarina, 
desse meu sonho?


A mente mentindo o ocorrido,
Notas frias tateando pistas,
O sonho fugindo do plano:
Paixões de pertencimento de um mero sonho cotidiano...


Agora, corpórea lembrança de um estado,
Eu de pé já me estudo, 
pertenço a um tempo parado.
Meu café roda na xícara -
Meu relógio açucarado.
O pão em minha vida esfria,
Chapado em prato florido.
Lá fora a chuva não desce,
Meu peito anda esquecido,
o coração tão fatigado...


Desejo ao sair de casa,
Depois de sonhar costumeiros 
cenários
comuns 
de minha alma,
Viver sonho por inteiro
Na vida-matéria, na palma,
Na linha, na mão, cotovelo,
no zelo, naquilo que acalma.


Hoje quero viver grande,
Ver dragões em minha cidade.
Já que no meu mero sonho
Vivi tanta realidade.
Não quero moça no ponto,
Banco, caderno, verdade.
Ser São Jorge com sua lança,
Arco íris, liberdade,
Fogo verde, 
Ver sereias
Cantando suas saudades.
Me agarrar na longa pata
Do Elefante de Dali,
Voar daqui para ali
Me escorrendo em seu relógio,
Alado, pro lado, pra lá de mim.
Alah, Bizmillah, ir rahmam, ir rahim,
Ir na contramão, sair daqui,
Dirigir, digerir, me ornar, me sorrir
No onírico encontro sem ter ônibus por vir.
Acarinhar o meu leão gigante
Nos prados do meu impossível.
Delirar com o sentido de viver esse instante,
Mudar de fase, de frase, de nível,
Nesse jogo que minha mente
Pela frente se faz crível.


Acordei com outro alarme.
Já me pego atrasado.
A vida me puxa pra fora -
Não posso sonhar acordado.
Esqueço de símbolo agora,
De rima, de sonho alado. 
Meu café já digerido,
O meu pão já mastigado.
Tateando notas frias,
Idas, vindas, pistas: calo.


(- mas o que seria minha vida?
- mas o que seria sonhado?)




Marcelo Asth

Nenhum comentário:

Postar um comentário